Há quase um ano, a presidente Dilma Rousseff esteve em Palestina, distrito de Mauriti, estabelecendo o marco da retomada das obras do Canal do Rio São Francisco. Em fevereiro do ano passado, o canteiro de obras visitado pela presidente já contava com um quadro reduzido de operários. Hoje, o lote 6 está sem ninguém. As marcas de um visível abandono de um trecho entre os distritos de Palestina e Umburanas estão no caminho deserto, com retratos da seca pela estrada.
Animais mortos e água sendo transportada em carroças por quilômetros pelos moradores traçam o paradoxo de uma obra bilionária frente ao atraso milenar da estiagem no Nordeste.
Desde que foi iniciado em 2007, o canal estava com orçamento previstos para gastos em torno de R$ 4,5 bilhões. O Orçamento total da obra já chegou a R$ 8,2 bilhões e R$ 3,5 bilhões já foram investidos. Dos 16 lotes, sete estão em andamento e apenas um concluído. Foram realizadas rescisões parciais em alguns trechos e novas licitações serão lançadas até março de 2013, segundo a previsão do Ministério da Integração Nacional. Dois lotes estão com obras paralisadas e algumas delas já chegaram a ser advertidas e até multadas.
O lote 14, já na Paraíba, segundo funcionários do canteiro de obras, está em execução. Já o lote 5, que atinge a área de Jati, deverá estar começando nos próximos dias. Um dos auxiliares administrativos do lote 6 afirma que vem havendo uma mobilização no intuito de iniciar os serviços, já que foi assinada a ordem. O ministro Fernando Bezerra esteve no Ceará em agosto do ano passado, para essa finalidade.
A última vez que foram vistos alguns funcionários na área do distrito de Umburanas, segundo a moradora, Francisca Furtado da Costa, foi em agosto do ano passado. Alguns deles realizavam medições. A falta de esperança nas promessas de concluir o canal do Rio São Francisco é praticamente geral na comunidade. "Muita gente ficou desempregada e não há como sobreviver da agricultura", diz.
O trecho do lote 6, segundo a moradora, foi paralisado em maio do ano passado, quando foram demitidos mais de 1.200 funcionários. O vaqueiro Fernando Vieira, da comunidade de Palestina, lamenta tanto dinheiro gasto para ver de perto uma obra abandonada, já penalizada pelo desgaste do tempo. No local, onde a presidente visitou ano passado, estão algumas máquinas, veículos e material de construção e a presença de um vigilante.
A área com problemas está inserida num trecho de 73 quilômetros do canal, que vai até o município de Cabrobó (PE). O lote cinco terá grande parte dos serviços na cidade de Jati, município onde serão construídos cinco grandes reservatórios. A obra beneficiará as cidades de Brejo Santo e Mauriti.
O Consórcio das empresas Delta/EIT/Gtec esteve à frente dos trabalhos no lote 6. Com as denúncias relacionadas à empresa Delta, no começo do ano passado, a crise nos serviços piorou ainda mais. As dívidas na cidade de Mauriti foram multiplicadas, gerando impacto no comércio local. Agricultores saíram da cidade para tentar a sobrevivência em outras localidades do Brasil.
Em agosto do ano passado, quando a reportagem esteve em Umburanas, foram encontrados poucos funcionários da empresa Magno Engenharia. Eles realizavam medições na área próxima à estrada principal de acesso ao distrito, a 8 quilômetros da cidade, quase na divisa com a Paraíba. Eram cerca de 40 pessoas trabalhando.
A poucos metros do asfalto há um corte, onde será construída uma ponte, entre a parte concretada com as placas estendidas ao longo do canal, iniciadas desde o distrito de Palestina. No local, passava o riacho de Umburanas.
Segundo o agricultor Francisco Lopes de Sousa, que há mais de 30 anos reside na área, a obra da transposição tem representado para a comunidade uma triste realidade. "Desde que cavaram esse canal que estamos praticamente sem água", diz ele. O morador diz viver angustiado, à espera de indenização da sua casa, que fica às margens do canal. "Só saio de lá quando me pagarem", afirma.
O agricultor Felipe Viera atravessa uma área de mais de três quilômetros numa carroça, para encher os reservatórios de água em casa. "É um sofrimento que atravessamos. Um problema que vem desde sempre. Olho para esse canal e vejo quanto dinheiro vem sendo desperdiçado. Espero que tudo isso um dia compense", afirma.
Para Francisco Lopes, a espera pelo fim do canal tem feito com que a esperança na concretização da obra aconteça somente para os seus netos. Um dos seus filhos que trabalhou como apontador, hoje se encontra em Fortaleza, à procura de emprego. Foi um dos demitidos em maio. O drama da seca é outro agravante para os moradores.
Orçamento
8,2 bilhões de reais somam o valor total do projeto da transposição. R$ 3,5 bilhões já foram investidos. O valor projetado em 2007 era de R$ 4,5 bilhões aproximadamente.
Fonte: Diário do Nordeste