Auditoria da Controladoria Geral da União realizada em 401 municípios, num universo de 11.686 residências que recebem a Bolsa Família, aponta que é necessário apertar a fiscalização contra fraudes e melhorar a gestão do programa.
“O calcanhar de Aquiles são os municípios. Faltam gestores capacitados para fiscalizar e executar a compatibilidade dos benefícios com as condicionalidades”, disse ao iG , o ministro Jorge Hage, da CGU.
“A reação da elite é compreensível: o povo pobre não depende mais do coronel local. O Bolsa Família é uma pancada na velha política do coronelismo”, cutuca Hage. “O que precisamos é aperfeiçoar os controles”, admite.
Ele afirma que os casos de recebimentos indevidos, detectados entre vereadores eleitos em 2012, representam 3% dos beneficiários e são pequenos diante da dimensão do programa.
“Seria ingenuidade imaginar que num programa que chega a 14 milhões de famílias e distribui mais de R$ 20 bilhões por ano não tentassem praticar desvios. O que não podemos, jamais, é baixar a guarda”, avisa Hage, que há sete anos, desde que tomou posse, está na linha de frente da guerra de “gato e rato” entre os órgãos de controle e os aproveitadores de plantão.
Foi da CGU, por exemplo, a recomendação para que o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) incluísse, já em 2008, no sistema um programa que rastreia e cruza informações sobre vereadores eleitos e os benefícios.
A medida surtiu um efeito surpreendente este ano: 2.272 vereadores foram flagrados recebendo o benefício mesmo depois da posse, em fevereiro deste ano. Na depuração, constatou-se que 104 casos não estavam irregulares e foram reincorporados ao cadastro, mas 2.168 acabaram cancelados.
Se por um lado a descoberta mostra pagamentos irregulares, por outro revela a inclusão de uma pequena fatia dos alvos do Bolsa Família – que chegaram às Câmaras Municipais e, portanto, a melhores salários –, nos sistemas políticos municipais.
A dificuldade em esclarecer se determinada família está ou não incluída entre os beneficiários é um dos defeitos da legislação que define os critérios do programa: a lei não obriga a comprovação da renda, ou seja, o candidato ao benefício apenas declara que tem renda inferior aos R$ 140,00 e passa a integrar o cadastro.
Para o ministro Hage, eventuais mudanças nesse critério só podem ser feitas pelo Ministério do Desenvolvimento Social. Ele afirma, no entanto, que graças às sugestões da CGU e do Tribunal de Contas da União (TCU), o MDS vem aperfeiçoando os controles e agindo rapidamente diante da constatação de irregularidades.
No caso dos vereadores, o pagamento irregular foi descoberto assim que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) disponibilizou em seu banco de dados a lista dos eleitos em 2012. O resultado sai de um rastreamento automático, que acessa também o banco de dados de outros órgãos públicos. Nele estão informações sobre crédito, programas sociais, formação de empresas, propriedade de veículos e até doações eleitorais para confrontar informações. Não escapam nem os sistemas de crédito a agricultura familiar ou novos donos de carro usado.
Segundo o relatório da CGU, o pente fino localizou um total de 664.978 benefícios irregulares – 273.263 deles em 2011 e 391.715 no ano passado –, num total de R$ 73.582.456,11. No lugar dos que foram cancelados, entrou um número idêntico de famílias que aguardavam na fila.
O levantamento também constatou que em 31% das famílias entrevistadas, as informações cadastrais estavam desatualizadas, 31,4% delas não foram localizadas nos endereços registrados no cadastro do MDS e em 9,3% havia indícios de renda superior. Constatou-se também que em 51 dos 401 municípios não havia acompanhamento das condicionalidades (frequência escolar, vacinação, atendimento a gestantes, etc.), 81 não tinham acesso a informações básicas e em outros 128 faltavam meios adequados para atuar.
O ministro Jorge Hage diz que apesar das falhas, o Bolsa Família tem comprovada eficácia no rompimento do ciclo da pobreza, com a transferência direta de renda, acesso a saúde, educação e assistência social.
“Duvido que algum governante tenha coragem de mexer no Bolsa Família”, desafia o ministro. Segundo ele, os índices de irregularidade podem ser considerados baixos quando comparados com a eficácia do programa e a capacidade do governo em corrigi-lo.
Ele admite, no entanto, que como se trata de um programa de responsabilidade compartilhada, é necessário fortalecer os municípios, melhorando a gestão, capacitando as instâncias de controle social e facilitando o acesso aos bancos de dados. Garante também que o Bolsa Família melhorou a cidadania e o exercício do voto livre.
iG