Somos todos iguais. Seres racionais. Estamos na mesma barca da vida, da fragilidade, da dor, da mortalidade. Temos um começo e um fim. Ninguém escapa. Todos caminhamos na mesma estrada. Não há “caminhos” diferentes para pessoas diferentes, importantes, poderosas. Afinal, Deus nos fez semelhantes em tudo. E também irmãos. Então, por que você humilha seu semelhante?
Infelizmente, há pessoas que não têm consciência dessa igualdade. Vivem como se fossem superiores aos seus semelhantes, como se não fossem frágeis, mortais, como se fossem de um outro mundo. Possuem sensação de grandeza, intocabilidade, imutabilidade. Têm o desejo de ser semideuses.
Por conta dessa imbecilidade de superioridade, esses pobres mortais (estou pecando em chamá-los de mortais) olham para os outros, sobretudo para as pessoas de condições humildes, que não têm oque eles possuem, com o olhar da indiferença, da arrogância, prepotência etc. Tais pessoas têm o prazer em humilhar, desprezar, seus semelhantes. Sempre os veem como seres inferiores, sem importância alguma. Agarrados na sua mania de grandeza sentem-se o máximo. Em outras palavras, repito, sentem-se deuses.
Eis o que tenho ouvido de tantas pessoas humildes, pobres, ao longo de minha caminhada de pastor por este sertão paraibano, no que diz respeito ao tratamento recebido por esses “deuses”. Trata-se de desabafo. São comentários tristes, chocantes, revoltantes:
-Triste de quem não tem nada na vida, é sempre tratado com judiação. Muita gente bacana vê a gente com indiferença, até com nojo. Mas Deus é Pai, ele ama os pequenos.
-Tem padre que é assim: quando é pobre, trata com desprezo, arrogância, indiferença, quando a pessoa é rica, importante, é abraço, beijo, risos e ainda convida para almoçar ou jantar com ele. Meu Deus, quando é pobre, não manda nem entrar na casa dele.
-Nunca vi tanta humilhação na minha vida. O médico me tratou como lixo, como se fosse um nada da vida. Só falava comigo gritando, urrando. Só porque sou pobre, não tenho nada na vida.
-Tem padre que na sua casa recebe bem quem é importante, rico, mas quem é pobre, miserável, um pobre coitado, recebe mal, com grosseria. Ele olha logo para o relógio como a dizer: pronto, terminou.
-Seu padre, eu tenho um primo que agora é doutor, ganha muito, anda só de carrão, Agora seu padre, ele passa por nós, e nem dá um bom dia. O bicho tá todo orgulhoso. Passa por nós, como se nós não fosse família dele.
-Eu tenho uma prima rica, só anda de carro importado, uma vez eu tava numa festa e uma pessoa perguntou pra ela: fulana você é família desse camarada? Ah, seu padre, ela disse : ele ainda é parente de meu pai, mas bem distante. Nojenta, sou sobrinho do seu pai, pensei eu. Pense num desgosto. Antes, a gente andava de jumento pra roça, e hoje, nem me conhece. Tá bom, entrego nas mãos de Deus.
-Padre, o médico me tratou mal. Ele mandou que eu me afastasse dele, eu não sei por que seu padre, eu acho que porque eu sou pobre. Isso foi numa consulta, padre..
-Por que há pessoas que são tão orgulhosas? Por que se sentem o máximo? O que leva uma pessoa a ficar tão arrogante, prepotente, sabendo que é um ser igual a qualquer um? Essas pessoas não vão adoecer, morrer?
-Seu padre, só porque sou pobre, não tenho nada na vida, fui mal recebido pelo juiz. Ele, seu padre, falava comigo gritando, e eu seu padre só fazia chorar. Depois, voltei para minha casinha, e minha filha de meu um chá pra eu me acalmar. Olha, padre, só porque eu só pobre, tenho certeza disso.
-Uma vez certa autoridade importante, olhou pra mim e disse assim: sabe com quem está falando? Eu sou doutor tal. Eita ,seu padre, e me deu uma tremedeira danada. Me senti muito humilhado por esse tal de doutor. O bicho era importante mesmo.
-Meu querido padre, uma vez eu fui a casa de uma pessoa rica da cidade, e quando bati palma, fui logo ouvindo: o que é, o que foi, tá não, pode ir embora. Fiquei um capeta.
-Olha, padre, tem gente que diz: gasto muito com meus animais de estimação. É muito dinheiro. Nada contra, seu padre. O que me deixa triste é que conheço gente assim que não tem coragem de ajudar uma pessoa pobre ou uma instituição de caridade.
-Uma coisa vou dizer ao senhor, quem é pobre neste mundo é tratado como cachorro. Veja padre, as fila nos hospitais, só tem mesmo é gente lascada, sem nada pra viver. A gente não vê um rico na fila, nem esses filhos de papai.
-Eu conheço uma moça, que depois que se formou em medicina, agora é outra pessoa: orgulhosa, vaidosa, parece que não é filha de Deus. Ela era pobre, e agora ficou tão besta.
-Quando um rico entra na casa do pobre, é recebido com alegria, mas quando o pobre entra na casa do rico, do doutor, sei lá, é mal recebido, tratado com tanta humilhação. Por que isso, hein? Esse povo quique quer melhor que a gente, é?
-Já observei uma coisa. Quando a gente está numa clínica, num consultório ou mesmo no hospital, o médico ou médica passa pela gente e não dá nem um bom dia. Passa todo duro, com a cara fechada. Não olha pra ninguém. Pra que isso, hein? Eita orgulho besta. Ele ou ela é igual a nós, em tudo.
-Olha padre, o pobre, quando chega no hospital, numa repartição pública, é tratado como gato, como bicho, ninguém olha pra ele, e quando é atendido, é atendido de forma grosseira, nojenta, seu padre.
-Padre Djacy, uma vez eu tava na estrada, passou um parente meu, ele é doutor, e nem olhou para mim. Eita bicho orgulhoso esse meu primo.
-Me diga uma coisa, lá no céu, tem esse negócio de gente que foi importante na terra, ocupar os primeiros lugares? Se for assim, seu padre Djacy, a gente ta é lascado. Nem no céu o pobre tem vez. Vixe Maria.
-Tem gente que quando se forma, ou arruma um bom emprego, não fala mais com a gente, fica toda orgulhosa, antipática.
-Padre Djacy, uma doutora assim me falou: eu sou médica, sou mais importante que qualquer pessoa, eu sou como Deus. Quero ver as pessoas correrem atrás de mim. A doutora era tão arrogante, tão orgulhosa, que me benzi quando sai da sala. Deus me livre!
-Quando eu trabalhava numa loja de roupa, calçados, o dono da loja explorava os pobres trabalhadores. Depois do expediente, a gente era tratado como burro de carga. Ele ganhava muito dinheiro à custa do nosso trabalho. Ele vivia dizendo que pobre era pra trabalhar para os ricos. Ele também dizia que pobre nasceu para ser pobre, para sofrer e trabalhar muito. A gente trabalhava feito jumento, no final do mês a gente ganhava um salário de miséria. Era tanta humilhação. A cada dia que passava, o empresário ficava mais rico, e a gente permanecia na pobreza.
-Certo juiz me disse: o que é? O que deseja? Saia da minha frente. Padre, saí chorando e pensando: não sou nada neste mundo.
-Olha, padre, tem gente que se sente tão importante, tão sem igual, que não dá um bom dia a ninguém, sobretudo as pessoas pobres, as pessoas sem nada na vida.
-Eu já vi uma mulher da alta sociedade, esposa de um certo político, lavar as mãos depois que pegava nas mãos dos eleitores pobres. Eu presenciei isso, seu padre. Era lá no sítio.
-Olha, padre, tem madame que trata suas empregadas domésticas com muita grosseria, humilhando, desprezando, como se as empregadas não fossem nada.
-Seu padre, uma vez a minha patroa me falou que eu não deixasse meus filhos brincarem com os filhos dela. Eu fiquei tão triste que deixei de trabalhar na casa dela. Essa patroa era tão antipática, tão orgulhosa. Ela vivia me dando grito e só me chamava de minha empregada, minha cozinheira. Essa mulher levava a vida a me humilhar. Eu chorava tanto. Trabalhava lá porque era o jeito. Terminei saindo.
-Conheço patroa que diz assim para sua empregada doméstica: você não pode comer na nossa mesa. Você só pode almoçar ou jantar em outro lugar, distante dos meus filhos e do meu marido.
-Por que tanto orgulho, vaidade, cara dura, tanta besteira, se a qualquer momento pode ter uma dor de barriga e fazer as coisas no meio da rua, num salão de festa, no carro?.
-Padre Djacy, penso que essa gente granfina só usa banheiro porque é o jeito. Se pudesse nunca usaria um sanitário. Eu acho que essas pessoas têm raiva de banheiro, de papel higiênico. Coitada, nisso elas são iguais a mim. Não têm pra onde correr. O que eu faço, essa gente fina faz. Do mesmo jeitinho.
-Bom, o padre fulano de tal me recebeu muito mal na sua casa, nem sequer me mandou sentar. Estava com tanta sede, mas tive cerimônia em pedir água. Pense, seu padre, no luxo da casa. Eita casa bonita a do padre .Eita como o padre e sua equipe são antipáticos, Deus me livre. E é porque é padre, imagine se não fosse. Esse padre não é de Deus, me tratou com muito ma.”
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-Padre, esse povo besta, importante, faz as mesmas coisas que as outras pessoas fazem? Sentem dores, tem dor de barriga, solta gases, tem dor de barriga, vomita, usa sanitário? Pelo visto, é diferente da gente.
-Meu Deus, quanta desumanidade! Hoje, seu padre, vale quem tem alguma coisa. Quem nada tem, nada vale.
-Vejo que tantas pessoas humanas são tratadas como lixo, como nada. Pra que tanto desprezo à pessoa humana? Triste de quem nada tem. Coitado!
-Meu amigo, uma coisa é certa, tem gente que só porque é importante, doutor prá lá, doutor prá cá, quando morre, depois de algumas horas, a podridão toma conta. Não é assim, padre”?
-Eu fui reclamar que o médico não cumpre o horário integral no PSF, sabe o que ele falou? Ele falou que o problema era dele, e que eu ficasse quietinho porque pobre não pode falar, gritar. Ele disse que pobre é obedecer, aguentar calado.
-Olha, meu amigo padre, meus filhos depois que se tornaram doutor, agora têm vergonha do pai e da mãe, só porque a gente é velho, feios, só porque a gente não tem dentes e tem o rosto engiado. Eles têm vergonha de nós, padre.
Por que humilhar seu semelhante, tratando-o com desdém, indiferença? Só porque é pobre, humilde, não possui o que você possui? Pra que tanto orgulho, arrogância, prepotência, indiferença, se você pode se “apagar” a qualquer momento? A qualquer instante você pode sofrer um AVC, uma parada cardíaca e logo ir para o buraco? Uma coisa é certa: queira ou não queira, você, com todo seu TER (diploma de doutor, dinheiro, riqueza, status etc.), é igual em tudo ao seu próximo na vida, na morte, no cemitério, no inferno ou no céu. Não custa nada tomar consciência disso.
De uma coisa tenho certeza, o orgulho é a escada que nos leva ao inferno. Não é por acaso que São João da Cruz dizia: “no entardecer da vida (na hora da nossa morte), seremos julgados pelo amor”.
Para quem deseja permanecer atolado nessa podridão de desumanidade, de falta de respeito e amor ao próximo, vale esta máxima de Jesus: “quem se eleva, será humilhado, e quem se humilha, será elevado”(Lc 14,11)
Padre Djacy Brasileiro, em 12 de janeiro de 2015.
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