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Comunidade de São José de Piranhas resiste à seca histórica, enchente e isolamento

Fundador do Milagre Sertão, Pedro Ramos, prova água do poço inaugurado pela ONG em Piranhas Velhas, na Paraíba (Foto: Gabriel Costa/G1)
Fundador do Milagre Sertão, Pedro Ramos, prova água do poço inaugurado pela ONG em Piranhas Velhas, na Paraíba (Foto: Gabriel Costa/G1)

“Antigamente a gente só vivia da pesca, mas desde que o açude secou não dá mais”, conta o hoje agricultor Francisco Bandeira, de 73 anos, enquanto debulha feijão de corda. Ele mora na comunidade Piranhas Velhas, berço da cidade de São José de Piranhas – Alto Sertão da Paraíba, na divisa com o Ceará. A cidade está no caminho do Eixo Norte da transposição do rio São Francisco.

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A comunidade, com cerca de cem famílias, já enfrentou uma enchente do Rio Piranhas há mais de 50 anos, secas históricas – como a atual, que já dura cinco anos – e enfim tem abastecimento de água, após receber a doação de um poço artesiano no final de abril, feita por uma ONG.

O açude a que Franciso, ou Seu Chico – como gosta de ser chamado -, se refere é o Boqueirão de Piranhas, ou barragem Engenheiro Ávidos. De acordo com o Departamento Nacional de Obras Contra a Seca (Dnocs) – que construiu a barragem quando ainda era Inspetoria Federal – a barragem cobre uma área de 1.124 km², se tornando a bacia de água mais importante da região, barrando o rio Piranhas.

Segundo o Dnocs, o rio Piranhas teve uma cheia em 1963, arrastando a lâmina de água do rio para dentro da cidade de São José de Piranhas – fazendo com que a cidade fosse levada para cerca de dez quilômetros de sua localização original. Onde ocorreu a cheia, a comunidade Piranhas Velhas têm sobrevivido às dificuldades do isolamento e resistido ao tempo: “estou aqui desde 1965”, ressalta seu Chico – também um de seus mais antigos moradores.

Isolamento

Numa estrada de terra com cerca de dez quilômetros, que passa por uma parte do rio Piranhas sem ponte, os moradores de Piranhas Velhas têm que se deslocar para chegar a São José de Piranhas – cidade que fica a mais de 500 quilômetros de João Pessoa. A comunidade além de enfrentar o problema natural da seca, ficou sem ter como acessar a água dos próprios poços, pois a bomba que os moradores se juntaram para comprar foi roubada.

Os caminhos já são dificultados até mesmo no acesso à cidade. A PB-400, que é o acesso para São José de Piranhas através de Cajazeiras, é repleta de buracos e não tem acostamento. Durante a noite, sem iluminação alguma, várias pessoas que moram nas cidades à beira da estrada se aventuram na rodovia para se descolar de um canto a outro da cidade – até mesmo à pé.

Apesar da distância e da dificuldade no acesso, Piranhas Velhas tem sinal de Internet e os alunos da escola municipal recebem aulas também via educação à distância (EaD). O posto de saúde da comunidade recebe um médico duas vezes por semana e um odontologista três vezes.

Maria Estelita e Francisco Bandeira debulhando o feijão para a semana, em meio a conversas (Foto: Gabriel Costa/G1)
Maria Estelita e Francisco Bandeira debulhando o feijão para a semana, em meio a conversas (Foto: Gabriel Costa/G1)

Falta de água

A realidade, hoje, assusta. A água que antes “batia nas costas” das casas, como diz seu Chico, está a mais de três quilômetros de Piranhas Velhas, segundo os locais. “Quando tava cheio tinha um balneário aqui perto que quando ‘dava’ o fim de semana enchia de gente”, lembra Francisco Bandeira, que chegou lá em 1965.

Enquanto contava a história, ao seu lado – também debulhando o feijão que tinham colocado para secar e que plantam para consumo próprio – estava Maria Ester, ou Maria Estelita. A confusão é porque “no documento o nome é Maria Ester, mas o que minha mãe me deu foi Maria Estelita”, conta a sertaneja de 78 anos.

Apesar do erro na sua identidade, ela diz que se sente ela mesma é em Piranhas Velhas e que sonhava em voltar a morar ali: “tinha fé que voltava a morar aqui nem que fosse numa casa de palha”. “Não troco isso aqui nem na ‘pêa’” (sic), afirma Estelita. “A dificuldade é grande, falta água, mas aqui é muito bom”.

Seu Chico fala: “é complicado mesmo porque aqui a gente tem só as torneiras, a água não chega. A bomba que a comunidade se juntou para comprar, roubaram”. Perguntado sobre a transposição, pouco esperançoso, diz: “se por acaso ela chegar aqui vai nos ajudar”.

O Ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, assinou em 20 de abril o contrato com o Consórcio Emsa-Sito para dar continuidade à construção do Eixo Norte. A previsão é que as águas cheguem ao destino final – o estado do Ceará – no final de 2017, de acordo com o Ministério.

'Tinha fé que voltava a morar aqui nem que fosse numa casa de palha', lembra Dona Ester (Foto: Gabriel Costa/G1)
‘Tinha fé que voltava a morar aqui nem que fosse numa casa de palha’, lembra Dona Ester (Foto: Gabriel Costa/G1)

‘Seca verde’

A região passa por um fenômeno chamado de “seca verde”. Desde o meio de abril, chuvas esparsas têm acontecido com regularidade. São José de Piranhas recebeu 570 milímetros de chuvas desde o início do ano, segundo monitoramento da Agência Executiva de Gestão das Águas (Aesa).

É característica da vegetação da Caatinga a capacidade de florescer rapidamente após a chuva. Enquanto está seco ela mantém suas saídas de água e troca de gases (estômatos) fechadas, fazendo com que ela sobreviva durante a estiagem.

Açude de Condado com água, mas com nível bem inferior ao de 'dez anos atrás', diz o motorista Hilderlan (Foto: Gabriel Costa/G1)
Açude de Condado com água, mas com nível bem inferior ao de ‘dez anos atrás’, diz o motorista Hilderlan (Foto: Gabriel Costa/G1)

Êxodo devido à seca

Seu Chico conta que boa parte dos homens de Piranhas Velhas estão, atualmente, em estados como Bahia, São Paulo, Rio de Janeiro, para trabalhar na colheita da cana de açúcar. “Na nossa época, a gente pescava tucunaré no açude. Tinha peixe demais, todo mundo vivia bem, não saía de perto da família”, conta ele.

Ele nunca foi para as colheitas na região Sudeste, mas conhece todos da comunidade que foram embora. Sem oportunidade de trabalho na região, as famílias são obrigadas a se desfazer para conseguir se manter na região do Alto Sertão.

Doação de poço

A ONG Milagre Sertão é uma organização não-governamental fundada em 2013, com ações em Casserengue, Monteiro – primeira cidade da Paraíba a receber as águas do rio São Francisco -, Cabaceiras e outras sete cidades, além de São José de Piranhas. Em Piranhas Velhas, mais de 60 voluntários prepararam e entregaram cestas básicas e inauguraram o poço artesiano, além de médicos e dentistas que atenderam pacientes gratuitamente no posto de saúde da comunidade.

Fonte: Por Gabriel Costa*, G1 PB, São José de Piranhas

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