Paraíba

O homem de mil filhos: caso Manoel Mattos completa 10 anos

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‘Até uns cinco anos depois que ele morreu, meu irmão ainda ficava falando: ‘papa’, ‘papa’, que era como ele chamava papai”, conta Manuella Mattos, filha do advogado e ativista Manoel Mattos, cujo assassinato completa 10 anos neste 24 de janeiro. O caso, que ganhou repercussão internacional, foi responsável por alguns marcos na luta pelos direitos humanos, assim como o próprio Manoel.

Sua perda, no entanto, deixou marcas muito mais profundas na sua própria família e nos mil filhos que tinha espalhados por Itambé e região, onde muitas vezes deu assistência jurídica de forma gratuita àqueles que necessitavam. Sua filha, à época, tinha apenas 13 anos, mas se lembra com detalhes do tempo que dividiu com ele. Com apenas 40 anos, o ativista viu ser cumprida a ameaça que já vinha recebendo a anos: sua morte já havia sido anunciada.

“Durante o julgamento, eu tirava os óculos para não ver as fotos da cena do crime. Como sou muito míope, dificultava. Só recentemente tive coragem de encarar aquilo tudo”, diz Manuella. Embora tivesse apenas 13 anos à época, ela se lembra perfeitamente da noite em que recebeu a notícia mais dolorosa de sua vida: seu pai havia sido assassinado na casa de praia de uns amigos em Itambé, na divisa entre Pernambuco e Paraíba.

22h30

Dois homens encapuzados entram na casa de veraneio onde Manoel Mattos estava. No terraço, bebia e conversava com parentes e amigos. Quando um deles se levantou, acreditando se tratar de um assalto, para dizer aos bandidos que podiam levar tudo o que quisessem, mas não machucasse ninguém, um dos bandidos reagiu:

– Se afaste que a gente tá procurando ele.

Com isso, apontou a arma para Manoel Mattos e efetuou os disparos que acabaram por tirar sua vida.

Enquanto isso, Manuella, sua mãe e seu irmão encontravam-se em um outro município de Pernambuco, Vitória de Santo Antão, para onde Manoel Mattos iria se dirigir na manhã seguinte. Na mala do seu carro, já se encontrava a feira que iria levar para casa. No rádio do carro, Manuella constatou depois, estava o CD que ele tinha recebido dias antes de sua esposa, da cantora Vanessa da Mata. São pequenos detalhes que, em geral, passam despercebidos, mas que para além de ter sido o primeiro caso federalizado no país, é o que realmente marca as pessoas que conviviam com a pessoa Manoel Mattos, não o ativista.

A madrugada foi de muita aflição para a família. A princípio, não se sabia se tinha sido apenas um atentado ou se Manoel tinha, de fato, morrido. A notícia veio quando estavam no carro, já se deslocando para Recife, onde acabaram indo para o IML, fazer o reconhecimento do corpo. “Foi um trajeto tão curto mas onde aconteceu tanta coisa. Acho que foram os momentos mais longos da minha vida”, declara Manuella.

Manoel Mattos era, na verdade, advogado civil

Até hoje, segundo ela, ainda existem casas, no município de Itambé, onde ainda se vê a foto de Manoel ao lado de algumas velas, uma espécie de altar. Embora tenha ficado conhecido devido à sua atuação de defensor de direitos humanos e denúncias que fazia sobre a atuação de grupos de extermínio, sua formação era no direito civil e nas causas trabalhistas. “Era comum nossa campainha tocar e ter alguém pedindo que meu pai ajudasse na defesa de alguma coisa, mesmo sem ter dinheiro para pagar. Por isso a gente nunca teve muito luxo. A busca pela justiça, em Manoel Mattos, era incansável”, relembra sua filha.

Para ela, era ele uma espécie de herói. Embora sua mãe tentasse dissuadir o marido das causas pelas quais lutava, devido às inúmeras ameaças de morte que recebia, ele era firme em seus ideais. “Às vezes me perguntam se eu preferia ter meu pai vivo e corrupto do que se ele não tivesse morrido. Eu queria meu pai vivo, claro que eu queria, mas se ele não tivesse os ideais que tinha não seria meu pai, sabe? Não fazia sentido”, declara Manuella.

Hoje, a filha segue os passos do pai

Recentemente, Manuella Mattos terminou o curso de Direito e faz uma pós em Ciências Políticas. Além disso, atua como presidente do Centro Manoel Mattos, que busca oferecer assistência jurídica gratuita em Itambé – já chegaram a ter mais de 200 processos sendo tocados de forma paralela – , além de atividades como aulas de flauta e capoeira para crianças e atendimento médico também gratuito. A instituição funciona por meio de doações, que podem ser feitas à própria Manuella.

O homem de mil filhos: caso Manoel Mattos completa 10 anos

Manuella fez sua primeira fala em comício aos quatro anos de idade, para pedir votos a um aliado do seu pai. Filiada ao PT, no entanto, não faz parte dos seus planos, ainda, no entanto, entrar para a vida política. Quando faleceu, seu pai faleceu, não estava ocupando nenhum cargo político, embora já tivesse sido vereador em Itambé. “Ele estava se organizando para sair candidato a deputado estadual, para depois ser candidato a prefeito”, conta. Sua mãe chegou a ser vice-prefeita de Itambé em 2012.

“Hoje, a gente tá num momento de negação da política”, opina Manuella. Nas eleições presidenciais de 2018, ela chegou a militar a favor do candidato do PT, Fernando Haddad. Para ela, trata-se de, assim como o seu pai sempre fez, lutar pelos ideais em que acredita. “Antes de tudo, vem o que a gente acredita. Os direitos humanos, a justiça. Esse tempo que estamos vivendo é mais importante que nunca que a gente defenda nossos ideais. A política é uma ferramenta de transformação social. Eu entendo meu pai. Não está nos meus planos, hoje, ser candidata a alguma coisa, mas os ideais pelos quais ele lutou eu continuo defendendo”, afirma.

Quem foi Manoel Mattos

Ex-vereador e ex-vice-prefeito do município de Itambé, quando morreu Manoel Mattos era vice-presidente do diretório estadual do Partido dos Trabalhadores e assessor parlamentar de Fernando Ferro, então deputado federal. Também era atuante na Rede de Advogados Populares.

O assassinato dele estava ligado às denúncias que fez na CPI da Pistolagem, na Câmara dos Deputados, em Brasília, e em CPIs estaduais, na Paraíba e em Pernambuco, contra grupos de extermínio que atuavam na região da fronteira dos dois estados, principalmente nas cidades de Itambé, Timbaúba e Pedras de Fogo. Era a chamada “Fronteira do medo”.

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