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Em Audiência Pública, senadores e especialistas condenam proposta de privatização da Eletrobras

Foto: Reprodução

A senadora Nilda Gondim (MDB-PB) participou, nesta segunda-feira (31), de Audiência Pública convocada pela Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado Federal para debater diversos pontos polêmicos relacionados à tentativa do governo federal de privatizar a empresa Centrais Elétricas Brasileiras S.A. (Eletrobras), responsável por pelo menos 30% da energia elétrica do País. A desestatização da Eletrobras está prevista na Medida Provisória nº 1.031/2021, que dispõe sobre a venda acionária da estatal e que já foi, inclusive, aprovada pela Câmara dos Deputados.

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Para Nilda Gondim, a venda da Eletrobras para o setor privado significará a renúncia do Estado Brasileiro a um ativo estratégico para o desenvolvimento e para a segurança nacional, com a consequente perda do controle sobre a geração e a distribuição de energia elétrica no País.

Durante o debate na CDH, senadores e especialistas condenaram a proposta de privatização da Eletrobras e destacaram, entre os principais prejuízos da iniciativa desejada pelo governo, a perda da soberania no setor elétrico brasileiro, o aumento considerável da tarifa de luz e a abertura de mais espaços para as térmicas (carbonização), em detrimento de fontes renováveis (água, sol e ventos).

Momento inoportuno – Considerando o possível racionamento por conta da crise hídrica que atinge o Brasil e as problemáticas da crise econômico-sanitária resultante da Covid-19, os senadores presentes à Audiência Pública foram enfáticos em condenar a discussão de uma privatização neste momento, por meio de uma MP. “Esse processo tem avançado de forma extremamente rápida, pulando etapas do processo legislativo normal e, ao mesmo tempo, sem a devida discussão dos impactos que acarretará sobre a atividade econômica, especialmente sobre a vida das pessoas”, afirmou o senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da CDH.

O senador Paulo Paim (PT-RS), responsável pelo requerimento da audiência, disse ser certo que o custo maior da energia terá efeito cascata, ou seja, os valores dos produtos finais também aumentarão de preço, desequilibrando o orçamento das famílias e, por consequência, influenciando negativamente o processo inflacionário. “Estudos apontam que o setor elétrico tem atraído investimento suficiente para garantir a sua expansão. Portanto, privatizar a Eletrobras para ter recursos privados para a expansão do setor não é necessário. Esses investimentos já estão ocorrendo”, enfatizou.

Segundo Paim, entre 2003 e 2018, a capacidade instalada no Brasil cresceu 70%. Além disso, a Eletrobras tem capacidade para gerar 30,1% de energia e possui 44% das linhas de transmissão. “Com a privatização da estatal, o poder de mercado nas mãos de uma empresa privada não vai gerar competição justa, e caminharemos para uma injustiça social. Vai prejudicar principalmente os consumidores”, alertou o senador.

Pelo processo de privatização, conforme pretende o Poder Executivo, o governo deverá emitir novas ações da empresa, com oferta a investidores privados, o que reduzirá sua participação no capital da Eletrobras, que teve lucro de R$ 30 bilhões nos últimos três anos. Hoje o governo tem 51,82% das ações ordinárias. A estimativa é de que reduza esse percentual a 45%, mas com direito a “golden share”, ou seja, direito de vetar em decisões consideradas mais sensíveis.

Sem marco legal – Presente à Audiência Pública na CDH, a diretora do Instituto de Desenvolvimento Estratégico do Setor Energético (Instituto Ilumina), Clarice Ferraz, alertou para o fato de que se discute a privatização antes mesmo da aprovação do marco regulatório, ou seja, antes de definidas novas regras do setor, destacadas no Projeto de Lei nº 414/2021. A matéria prevê a portabilidade da conta de luz entre as distribuidoras, alterando o marco regulatório do setor elétrico para criar um mercado livre no País, e encontra-se em apreciação na Câmara dos Deputados.

“No Ministério de Minas e Energia está acontecendo essa intitulada ‘modernização do setor elétrico brasileiro’, com uma separação fio-energia [separação do serviço de conexão ao sistema elétrico e do serviço de venda de energia, que teriam contratos separados], hoje misturados na mesma conta de luz, e uma proposta de expansão do mercado livre como se a liberdade de escolha fosse resolver um problema de oferta. Isso está acontecendo sem que a própria agência de regulação tenha apresentado uma análise de impacto regulatório e uma disposição de como será a alocação de riscos do nosso setor hidrelétrico aqui no Brasil. Então, é um cenário de enorme incerteza, e nada pior do que a incerteza para atrair investimento”, expôs Clarice Ferraz, para quem o governo está “vendendo uma mina de ouro”.

Em paralelo, segundo ela, no setor elétrico vive-se um cenário de transformações tecnológicas, com mudança de paradigma e expansão de fontes renováveis, o que altera muito o funcionamento do sistema. “Por isso, deve-se ‘descarbonizar’, com regularização via reservatório, avaliou a diretora do Instituto Ilumina. E acrescentou: “Então, a opção é a gente utilizar o quê? Todos os nossos potenciais de renováveis (porque este país é extraordinário realmente) tem um potencial enorme de energia solar, eólica e biomassa”.

Prejuízo extremo – Representante da Associação dos Engenheiros e Técnicos do Sistema Eletrobras (Aesel), Ikaro Chaves destacou que quase R$ 600 bilhões (R$ 20 bilhões anuais) serão retirados dos consumidores nos trinta anos de concessão que estão sendo destinados à iniciativa privada na MP 1031/2021.

Afirmando que “o racionamento é uma possibilidade cada vez maior, mas uma elevação substancial da tarifa é uma certeza”, com estimativas superiores a 10%, Chaves afirmou que a contrapartida do governo são alguns “fundos regionais que estão sendo propostos para serem criados no âmbito da revitalização do Rio São Francisco, do Rio Parnaíba, da Bacia do Rio Grande e também para o programa de redução estrutural, um programa de eletrificação, da Amazônia Legal”.

“Esses programas todos somam R$ 8,75 bilhões a serem pagos. Além disso, R$ 2,5 bilhões para a conta de consumo de combustível, R$ 25,5 bilhões que vão para o Tesouro. É isso que vale a maior empresa do setor elétrico da América Latina. Desses R$ 25,5 bilhões, têm que ser retirados pelo menos R$ 4 bilhões, que são o recurso previsto para a criação da tal nova estatal, que vai ter que absorver Itaipu e a Eletronuclear, ou seja, R$ 21,5 bilhões no final das contas”, explicou.

Venda desnecessária – Segundo o ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim, a privatização da Eletrobras não é necessária para atrair capitais privados e garantir a expansão do setor elétrico. “Entre 2005 e 2018, a capacidade instalada cresceu 70%, enquanto a economia cresceu a um ritmo muito menor do que esse. E o mais interessante é que quase 80% desses investimentos foram de capital privado. Então, o capital privado está investindo no setor elétrico justamente por conta dos leilões que foram organizados”, observou.

Futuro em risco – O ex-ministro de Minas e Energia e ex-diretor-geral da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), Nelson Hubner, por sua vez, disse que a venda da Eletrobras “está botando em risco o futuro do País”. Ele manifestou preocupação por não ter sido contemplada na MP 1031/2021questões sobre os consumidores cativos, apesar de estar recheada de “outras benesses”.

Conforme Nelson Hubner, o projeto de lei na Câmara, agora submetido ao Senado, subverte toda a essência do modelo setorial; cria reservas de mercado para fontes, como o caso da térmica, o caso da PCH [pequenas centrais hidrelétricas], e impõe todo sobrecusto da produção dessa energia para aqueles que são responsáveis pela garantia do suprimento, que são os consumidores cativos.

“Somos nós que garantimos a expansão do sistema com os leilões de energia, onde só as distribuidoras contratam no contrato de longo prazo. E quem ainda paga isso são os consumidores cativos. Então, será que alguém perguntou aos consumidores se eles querem essa energia mais cara em detrimento das fontes solares e eólicas tão mais baratas?” questionou o ex-ministro. Ele afirmou também que está havendo quebra de contrato, com base na Lei nº 12.783/2013, que garantiu a todos os consumidores cativos receber a energia das cotas a um preço regulado.

“Jabutis” – Representantes de vários setores da indústria, por meio de 40 associações, divulgaram manifesto em que definem como “danosas à sociedade” as alterações apresentadas na MP 1.031/2021.

O manifesto é especialmente voltado à inclusão de “jabutis” na MP. Isso, segundo eles, prejudicaria não somente o consumidor residencial, mas principalmente grandes consumidores, como o setor industrial. A preocupação seria com a reserva de mercado para térmicas e pequenas centrais hidrelétricas.

“A MP exige que 50% do mercado regulado, que, obrigatoriamente, terão que ser atendidos pelas centrais hidrelétricas, até atingir 2 mil megawatts, e depois 40% do mercado terão que ser atendidos por pequenas centrais. Ora, trata-se de uma criação de uma reserva de mercado totalmente contra a própria lógica que se argumenta de competição. E o que é mais interessante: apesar de essas fontes terem o mérito de serem renováveis, as pequenas centrais custam mais que o dobro do que as fontes eólicas fotovoltaicas”, explicou o ex-presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), Maurício Tolmasquim.

A questão também foi levantada pelo senador Jean Paul Prates (PT-RN) ao defender que a “a Lei da Capitalização da Eletrobras não capitaliza, mas, na verdade, vende o controle da Eletrobras e enfia um monte de jabutis”. “A gente fala tanto de mercado, e quando o mercado vai funcionar, o cara quer proteção, quer privilégio, quer que o Estado construa gasoduto. (…) Nós estamos no meio de uma pandemia: ninguém no mundo está vendendo ativos; ninguém no mundo está vendendo refinaria; ninguém no mundo está vendendo a holding das holdings de um enorme país como o Brasil, com hidrelétricas amortizadas, pagas, para depois aplicar preço de mercado a elas. Então, isso é um absurdo”, afirmou.

Da mesma forma, Zenaide Maia (Pros-RN) declarou que os senadores não podem aprovar a MP 1031/2021. “Não podem fazer isso com a maioria do povo brasileiro”. “Para a maioria, só a cesta básica não resolve, porque não pode pagar o gás de cozinha. Nós temos quase meio milhão de mortos por falta da compra da vacina na hora certa. E agora nós queremos condenar o povo brasileiro à escuridão?”, questionou a senadora.

* Com informações da Agência Senado

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