Dos 223 municípios paraibanos, 208 têm áreas com risco de desertificação e em, pelo menos, três deles, já há trechos com desertificação irreversível. Foi o que revelou um estudo realizado pelo Departamento de Geociências, da Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Uma das áreas que mais preocupam os estudiosos é o alto curso do Rio Paraíba, na região do Cariri paraibano, onde a desertificação ameaça inclusive a Transposição do Rio São Francisco.
Amanhã será celebrado o Dia Mundial de Combate à Desertificação, data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) para promover reflexões sobre alternativas para minimizar os efeitos do fenômeno.
A desertificação é provocada pela degradação ambiental e, embora o nome remeta a um deserto – regiões com pouca chuva, quentes e áridas, a área desertificada é ainda pior, segundo o professor Bartolomeu Israel de Souza, doutor em Geografia e professor do Departamento de Geociências da UFPB.
“Embora tenha as características áridas, o deserto é um bioma onde seus elementos estão em equilíbrio e adaptados à falta de chuva. Na área desertificada acontece um desequilíbrio e em consequência disso, o comprometimento do solo, que se torna infértil e não consegue se recuperar”, disse.
DESMATAMENTO É A PRINCIPAL CAUSA
Os estudos realizados nas áreas desertificadas da Paraíba mostraram que o desmatamento é a principal causa do fenômeno. A falta de cobertura de vegetação expõe o solo à erosão causada pela chuva. “A vegetação funciona como um amortecimento da chuva. A água bate nas árvores e cai no solo com força menor, quase que em forma de orvalho. Quando não há essa cobertura, a chuva bate com força e compacta o solo, reduzindo assim a capacidade de acumular água. É um processo de efeitos em cadeia. Sem água, o solo perde a capacidade de recuperação natural da flora”, explicou Bartolomeu Israel.
Segundo o professor, o desmatamento também reduz a capacidade do solo reter CO2 (carbono), que é importante para o equilíbrio do ecossistema. “Além de o solo ficar mais pobre, o carbono que não é retido volta para a atmosfera, aumentando o calor e o efeito estufa. Quando observamos os resultados, percebemos que há uma sequência de causa e efeitos em cascata. Uma coisa provoca outra que por sua vez provoca outra e cria um ciclo que resulta na desertificação”, analisou Israel.
O desmatamento identificado na região do Cariri, estudada pela UFPB, tem duas finalidades predominantes: retirada de madeira para fabricação de carvão e de plantas que servem para alimento animal. “Identificamos muito corte de mandacaru e facheiro, que são cactus, vegetação nativa da região. A questão é que essas pessoas não têm outras fontes de alimento para o gado e acabam desmatando. Algo semelhante ao que acontece com a extração de madeira para carvão, que se torna fonte de renda”, acrescento o professor.
ÁREAS INVIÁVEIS
A desertificação não interrompida resulta em áreas inviáveis para a vida humana, pela falta de recursos e a esterilidade do solo para qualquer tipo de vegetação, até mesmo as espécies adaptadas a pouca água. Uma vez consolidada, a desertificação é irreversível.
“Temos já algumas áreas nos municípios de São João do Cariri, Cabaceiras e Congo que tem desertificação irreversível. Embora existam previsões de ciclos mais chuvosos, não creio que seria suficiente para mudar esse quadro”, afirmou o professor Bartolomeu Israel.
A interrupção da desertificação em andamento também não é garantida, mesmo havendo ações públicas nesse sentido.
IBAMA FEZ MAIS DE 1,1 MIL AUTUAÇÕES
A desertificação também está no foco das fiscalizações do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama). Dados disponibilizados pelo órgão mostram que, nos últimos 10 anos, foram feitas 1.119 autuações ambientais e 189 áreas foram embargadas por causa de desmatamento, entre os anos 2006 e 2013. O geólogo Zanoni Carvalho Arouke, que integra o setor de Fiscalização do Ibama-PB, destacou que uma das dificuldades encontradas no combate à devastação ambiental é a falta de legislação específica que proteja as áreas de caatinga.
“Essas áreas são as mais frágeis e mais sujeitas à desertificação e é o tipo de bioma predominante no sertão paraibano. Um bioma que só existe no Brasil e não há nenhuma política pública ou legislação que o proteja. Para desmatar em área de mata atlântica, por exemplo, é preciso ter autorização estadual e federal, o que não é exigido para o desmatamento em caatinga”, explicou.
Segundo Zanoni, a desertificação na Paraíba não é pior porque os desmatamentos acontecem em regiões pontuais.
“Diferente do que acontece na Amazônia, onde são desmatados 100 ou 200 hectares de uma só vez, aqui na Paraíba os desmatamentos são em áreas de dois ou três hectares. Além disso, quando ocorre chuva no semiárido, ainda há regiões desmatadas que conseguem boa recuperação. Mas isso não quer dizer que o problema não seja preocupante”, acrescentou.
JORNAL CORREIO DA PARAÍBA