Considerada a pior dos últimos 50 anos em alguns estados do Nordeste, a seca está provocando um confronto que só se imaginaria no futuro: a guerra pela água. Em Pernambuco, essa luta já começou com tiros, morte e exploração da miséria. Protestos desesperados são registrados não só lá, mas em várias regiões do semiárido, onde a estiagem já se alastra por 1.100 municípios. A população pede providências imediatas dos governos para amenizar os efeitos devastadores. A situação só não é pior já que as famílias contam com os programas sociais, como o Bolsa Família. Como observam agricultores, a preocupação no momento é maior com os animais, que estão morrendo de sede e fome, do que com as pessoas.
Na beira das estradas que conduzem ao sertão, o verde não mais existe. Ao longo das BRs 232 e 110, em Pernambuco, carroças puxadas a jumentos magros tomam conta das margens em busca de água. Nos 100 quilômetros de extensão da PE 360, que liga os municípios sertanejos de Ibimirim e Floresta, há 28 pontilhões sob os quais os córregos corriam fortes. Hoje, estão todos secos. Até mesmo o leito do Riacho do Navio — que ganhou fama na voz do cantor Luiz Gonzaga — esturricou. Na última quinta-feira, bois magros tentavam em vão matar a sede e tudo que encontravam era uma poça de lama escura naquele conhecido afluente do rio Pajeú.
Em Pernambuco, 66 municípios do sertão e do agreste estão em estado de emergência reconhecido. O quadro tende a se agravar já que a temporada de chuva está encerrada e os conflitos aumentam. Em Bodocó, no início do mês, o agricultor João Batista Cardoso foi cobrar abastecimento regular na sede local da Companhia Pernambucana de Saneamento (Compesa) e acabou morto. João Batista se desentendeu com o chefe do escritório da estatal, José Laércio Menezes Angelim, que disparou o tiro e hoje está foragido.
“Pipeiros” distribuem água em troca de votos
Outra face cruel para as vítimas da seca é a exploração: se no passado eram os coronéis que manipulavam currais eleitorais distribuindo água, hoje as denúncias recaem sobre ‘pipeiros’, geralmente candidatos a vereador e seus cabos eleitorais, donos dos caminhões de água. A situação está tão grave que o governo decidiu rastrear todos os carros-pipa que circulam na caatinga. A Compesa começou a fazer operações para conter também o furto da água. Prevista para durar três meses, as ações contam até com helicóptero.
Até a última quinta-feira, foram detectados treze pontos suspeitos, com registro de desvio para campos irrigados. A água roubada do estado também abastecia reservatórios para carregar pipas e até mesmo um tanque com 50 mil peixes em Ouricuri. Segundo a Compesa, a perseguição aos furtos é para garantir água a 200 mil famílias.
— As barragens ficaram secas, o povo está com sede, mas o carro leva água para colher voto. Os donos dos caminhões ganham por dois lados: recebem do governo e o voto do povo. As pessoas prejudicadas não reclamam porque têm medo. Há culpa tanto do estado quanto do município — reclamou Francisco da Silva, sindicalista da região.
De acordo com o secretário de Agricultura, Ranilson Ramos, há 800 pipas rodando a caatinga, para atender as famílias.
Na Bahia, a seca é considerada a pior dos últimos 50 anos. A longa estiagem no estado já levou 234 dos 407 municípios baianos a decretar estado de emergência. O governo estadual já reconheceu a emergência em 220.
A seca está devastando as lavouras baianas e afetando a pecuária. Os preços dispararam: o quilo do feijão, por exemplo, aumentou 40% este ano. Em Salvador já custa R$ 8.
No Piauí, 152 municípios do semiárido, onde vivem 750 mil pessoas, estão sofrendo. No estado, um caminhão-pipa de até 15 mil litros de água não sai por menos de R$ 120 e as perdas das lavouras de milho, feijão e mandioca foram de 100% — contabilizou o presidente da Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag), Evandro Luz.
— A população padece de sede. Muita gente está há 40 dias sem água porque não tem dinheiro para comprar. Plantações inteiras foram perdidas — afirmou Luz.
Os presidentes dos Sindicatos dos Trabalhadores Rurais pediram à Central Nacional de Abastecimento cestas básicas para as famílias enfrentarem a fome.
No estado, não há chuva forte desde julho. Por falta de alimentos, pequenos criadores estão soltando o gado para que os animais procurem água e pasto.
— Vivemos a maior seca de nossa história — disse Wilson Martins, governador do Piauí, que em abril participou da reunião com a presidente Dilma Rousseff, que liberou R$2,7 bilhões para minorar os efeitos da estiagem e anunciou a Bolsa Seca de R$400. Segundo a Fetag, os recursos ainda não chegaram.
O Globo