Ao memorável Dr. Geraldinho
“Não permitirei que considerações de religião, nacionalidade, raça, partido político, ou posição social se interponham entre o meu dever e o meu Doente.” (juramento de Hipócrates)
Ao ser condenado pelo Juri de Atenas, na prisão Sócrates ouve o clamor de sua esposa: “- Sócrates, os juízes te condenaram à morte!” O filósofo serenamente respondeu: “- Eles também já estão condenados”. Ainda aflita, ela insiste: “- Mas é uma condenação injusta!” Ele calmamente pergunta: “- Preferias que fosse justa?”. Definitivamente, a morte não é uma opção, tampouco possibilidade. É o que temos de mais certo após o salto para fora do ventre materno.
Vivemos para morrer, mas fugimos dessa realidade durante toda a caminhada. A morte é o fim inevitável de toda forma de vida neste planeta. A questão é: como vivemos essa trajetória até o desfecho final? Que uso fazemos do intervalo de tempo entre o desnudar da placenta e o atabafar de um caixão? Me atrevo a redarguir que nesse capítulo da existência escrevemos nossas histórias nas memórias alheias. Nas lembranças que sobreviverem ao nosso desaparecimento, alí estaremos. Usufruindo da nossa centelha divina de eternidade.
O memorial de cada um é tarefa intransferível. Muitos são bem escritos, outros nem tanto. Mas não existe molde, nem regras para viver esse período. Apenas as referências das vidas de outrem inscritas em nossas rememorações serão consideradas, vez ou outra, na escrivaninha da nossa própria história. Nesse contexto e com a ajuda do amigo João de Almeida Martins, vamos rememorar um pouco do cidadão pombalense, do médico e do político Geraldo Arnaud de Assis Júnior.
Nascido aos 23 dias do mês de agosto do ano 1957, em ambiente familiar bem estabelecido na sociedade pombalense. Frequentou os bancos das escolas primárias da cidade natal até seguir rumo as academias da capital, passando por Campina Grande. Formou-se médico e regressou às origens para exercer o ofício.
Desde o cedo já participava ativamente dos movimentos universitários de Pombal. Em meados da década de 1970, o estudante de medicina já liderava grupos e assumia compromissos da classe como presidente da AEUP. À frente do movimento, esquentava as semanas universitárias nos festivais de cultura, música, cinema e teatro que trazia de outras paragens para apresentações na Terra de Maringá. Enfrentou e debateu os anos de chumbo da ditadura.
Mas a política estudantil não comportava todo o seu fervor social e já em meados de junho do ano de 1981, poucos meses após a reunião no Colégio Sion e a criação do Partido dos Trabalhadores em São Paulo, funda junto com o jovem amigo Joãozinho o Diretório do PT em Pombal. Em razão das atividades médicas pede a Joãozinho para assumir o Partido, criado a partir de suas articulações e liderança, assumindo a vice-presidência da sigla.
Naquela época sua envergadura política já chamava a atenção de grandes lideranças políticas nacionais a ponto de seduzir o Deputado Federal e Ex-Governador Antônio Mariz a visitar Pombal com o intuito de convidá-lo a fundar o PP. Depois veio o PSDB, as candidaturas a Deputado Estadual e a vice-prefeito, que todos conhecemos.
Mas, o que queremos abordar nesse texto é o memorandum desse líder nato. Que embora não tenha vencido todos os pleitos que encarou, não titubeou no enfrentamento de nenhum delas. Um porta-voz que disputava, debatia, brigava, dava o “murro na mesa” e seguia me frente. Com grave tom de voz e pele avermelhada, escreveu seu nome na política pombalense com muita coragem, determinação, paixão pelo compromisso político e zelo no ofício médico.
No rastro do desempenho da medicina, deixou o alívio do sono profundo nas mesas cirúrgicas para milhares de seres humanos. Não anotou em nenhuma caderneta as consultas feitas a qualquer tempo e hora, para outros tantos. Não amealhou o vil metal, porém angariou amigos em grande monta, indistintamente.
Do berço ao túmulo, uma história memorável. Do ventre aos céus, a convicção do cumprimento do juramento de Hipócrates: “Se eu respeitar este juramento e não o violar, serei digno de gozar de reputação entre os homens em todos os tempos; se o transgredir ou violar que me aconteça o contrário.”
Aos seis dias do mês de agosto do ano 2020, de forma irremissível, a cortina se fecha e Dr. Geraldinho escreve o ponto final no seu memorial para os que ficam. Despede-se na certeza de que cada consulta e atendimento, em que nada cobrou, lhe tornaram mais leve na partida. Que cada gentileza, gesto e palavra de amizade que proferiu, se transformaram em asas para o voo celeste.
Despede-se, aos 63 anos, vítima do nosso tempo, deixando em cada atitude politica e profissional, desde a juventude e no conjunto da obra, uma referência para as novas gerações.
Por: Jarismar Oliveira (Mazinho)