Brasil

Governo exclui mais de 5 milhões de MEIs do auxílio emergencial

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Morando de aluguel e com dois filhos dependentes, a corretora autônoma de seguros Janete Queiroz é uma Microempreendedora Individual (MEI) que viu a renda da família cair para mais da metade com a crise provocada pela pandemia da covid-19. O isolamento social necessário para conter a disseminação do coronavírus impediu que ela e o marido, também corretor, pudessem manter as vendas de modo presencial. Em abril, solicitaram o auxílio emergencial. O benefício foi negado para os dois. Eles fazem parte do grupo de aproximadamente 5,7 milhões de MEIs excluídos desta assistência pelo governo.

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Criado em março como uma “medida excepcional de proteção social” para o enfrentamento da pandemia, o auxílio é direcionado principalmente a Microempreendedores Individuais, desempregados, trabalhadores informais e mães provedoras de família monoparental. Para os MEIs, contudo, o benefício só chegou à metade da categoria. O Brasil tem 10,7 milhões de cadastros de MEIs, de acordo com o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas). Mas, o auxílio emergencial foi concedido só para cerca de 5 milhões de microempreendedores individuais, segundo dados oficiais divulgados pelo Ministério da Cidadania.

“Esse benefício tem sido importante para ajudar os empreendedores a passar pela pandemia com menos dificuldades e também traz para o país um colchão de liquidez que ajuda as micro e pequenas empresas a superarem a crise em função do dinheiro que passa a girar na economia”, afirmou o gerente de Políticas Públicas do Sebrae, Silas Santiago, em reportagem publicada pelo site UOL nesta semana.

O presidente da Federação Nacional das Associações do Pessoal da Caixa Econômica Federal (Fenae), Sérgio Takemoto, reforça a análise. “É um recurso necessário tanto para a sobrevivência destes trabalhadores como para a manutenção da atividade econômica”, ressalta. “Garantindo-se a renda das pessoas, elas vão gastar no supermercado, na farmácia, na padaria e os recursos vão aquecer a economia. Esse dinheiro volta e gera receita para o país”, acrescenta Takemoto.

“FOI O QUE ME SALVOU” — É o caso da massoterapeuta Graciane Galvão, de Brasília (DF). Formalizada como MEI desde 2017, ela esperou um mês para começar a receber, em maio, o auxílio emergencial de R$ 1,2 mil (mães provedoras têm direito ao benefício em dobro). “Foi o que me salvou”, diz.

Mãe de uma filha de 7 anos e de um rapaz de 17, estudante de Engenharia Elétrica na Universidade de Brasília (UnB), Graciane usa todo o dinheiro do benefício para pagar o aluguel e as contas de água e energia: “Vai tudo direto para estas despesas”.

A massoterapeuta também precisou renegociar as prestações do carro e tem conseguido manter a família com a ajuda que os filhos recebem de pensão alimentícia. “A grande maioria das minhas clientes já me avisou que só vai retornar [às massagens] ano que vem ou quando descobrirem a vacina para o coronavírus. Não sei o que seria da gente sem este auxílio”, ressalta Graciane.

“AUXÍLIO É ENDIVIDAMENTO, DIZ BOLSONARO” — Na noite desta quinta-feira (17), durante live transmitida pelas redes sociais, Bolsonaro afirmou que os recursos do auxílio emergencial são fruto de “endividamento” e não “dinheiro do povo, como muitos estão falando”. Hoje (18), a direção da Caixa informou que foram investidos R$ 200 bilhões na assistência aos beneficiários.

“Muitos estavam falando que é dinheiro do povo, mas não é. É endividamento que está indo para as contas de todo mundo. O governo não tinha dinheiro em caixa. E é muito pesado para gente e para o Brasil”, disse o presidente, na live.

Nesta quinta-feira (17), as centrais sindicais lançaram uma campanha, incluindo um abaixo-assinado, em defesa da manutenção do auxílio emergencial em R$ 600. A mobilização deverá se concentrar no Congresso, onde tramita a Medida Provisória (MP) 1.000/2020, editada pelo governo no último dia 2 e que cortou pela metade o valor do benefício. Um dos slogans da campanha é “Bota pra votar já, Maia!”, em referência ao presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ).

Em notas, as centrais afirmam que a redução do auxílio “compromete gravemente a capacidade das famílias adquirem alimentação, moradia, transporte e outros bens de consumo básicos, além de todas as outras necessidades”. E lembram que o benefício “garantiu o consumo básico de mais de 50 milhões de pessoas”. “Agora, com a inflação de alimentos, R$ 300 não compra sequer a cesta básica”, pontua o presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), Sérgio Nobre.

BUROCRACIA — Formalizada como MEI há mais de um ano, Janete Queiroz conta que ela e o marido apresentaram três contestações às negativas do auxílio emergencial. “Este processo durou mais de três meses”, lembra a corretora de seguros, que mora no Guará, a cerca de 20 quilômetros do centro de Brasília.

Segundo ela, as duas solicitações atendiam a todos os requisitos para o recebimento do benefício: “Mas, é tanta burocracia imposta pelo governo que a gente fica sem saber como e a quem mais recorrer”. Janete e o marido cansaram de contestar e desistiram do auxílio. “No final das contas, temos pouco espaço para argumentação e a palavra final que fica é a do governo”, lamenta a corretora.

OUTRAS EXCLUSÕES — Além dos milhares de MEIs excluídos do auxílio emergencial, outros 6 milhões de brasileiros deixarão de receber o benefício. Nesta quarta-feira (16), decreto do presidente Bolsonaro regulamentou a concessão do chamado “auxílio residual”, reduzido para R$ 300 [o auxílio emergencial foi aprovado pelo Congresso no valor de R$ 600, bem superior aos R$ 200 que o governo defendia no início da pandemia]. O Executivo também endureceu as regras para a manutenção do benefício até dezembro e apenas parte dos beneficiários continuará tendo acesso aos recursos.

Somente quem começou a receber o auxílio no mês de abril é que terá direito às quatro parcelas extras de R$ 300. De acordo com o decreto, o valor será pago só até o próximo dia 31 de dezembro. “Independentemente do número de parcelas recebidas pelo beneficiário”, diz o texto.

Quem teve acesso ao auxílio emergencial em julho, por exemplo, receberá a quinta parcela de R$ 600 em novembro. Ou seja, terá direito a apenas uma parcela residual de R$ 300.

Sérgio Takemoto destaca que as medidas estabelecidas no decreto prejudicam sobremaneira as pessoas que não conseguiram efetivar o cadastro ao benefício por conta de erros do próprio governo. “Muitos trabalhadores só começaram a receber a primeira parcela depois de abril porque o governo cometeu falhas”, aponta. “Houve erros no sistema e negativas do Ministério da Cidadania e da Dataprev, além de outros motivos. Agora, jogam nas costas da população a conta da falta de planejamento. É inadmissível”, completa o presidente da Fenae, que sempre defendeu a concessão do auxílio até o final da pandemia e no valor de R$ 600.

SEM CRONOGRAMAS — Embora a MP 1.000 tenha sido editada no último dia 2, até agora o cronograma de pagamento do novo valor de R$ 300 só foi divulgado pelo governo para os beneficiários do Bolsa Família. Para este grupo, as parcelas extras de R$ 300 começaram a ser pagas ontem (17) e vão até o dia 30 deste mês, de acordo com a terminação do NIS.

A demora na divulgação dos cronogramas preocupa a Fenae, que teme o retorno de filas e aglomerações nas agências bancárias. “Sem calendário definido e informações claras do governo sobre o corte de beneficiários no pagamento do auxílio de R$ 300, é lógico que as pessoas vão procurar as unidades da Caixa. Mais uma vez, por desorganização ou má fé do governo, a população e os bancários serão penalizados”, alerta Sérgio Takemoto. Esta semana, filas foram registradas em agências da Caixa de São Paulo e do Rio de Janeiro, por exemplo.

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