Depois de provocar enchentes na Região Sul e a seca histórica no Norte do país, o fenômeno El Niño vai provocar, nos primeiros quatro meses do ano que vem, uma severa estiagem no Nordeste. A previsão é consenso na comunidade científica, que cobra dos governos federal e estaduais políticas públicas emergenciais para atender a população do semiárido nordestino e mitigar prejuízos econômicos — principalmente, na produção agropecuária.
Desde junho, a Casa Civil da Presidência da República vem coordenando uma sala de crise para avaliar os impactos do El Niño em todo o país, que conta com a participação de vários ministérios e órgãos de pesquisa e monitoramento. Só para a Região Norte, foram feitas 11 reuniões até agora. Os cenários para o Nordeste começaram a ser avaliados neste mês. O Brasil tem 1.038 municípios monitorados mais diretamente por estarem mais sujeitos a desastres naturais.
Um dos órgãos estratégicos da sala de crise é o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). “O Cemaden tem monitorado os impactos do El Niño nas cidades, na agricultura, na geração de energia hidrelétrica, em vários setores. A partir desse monitoramento rotineiro, ações são tomadas pelo governo federal, que vai ouvir, também, outros setores, inclusive empresas privadas”, disse a diretora do Cemaden, Regina Alvalá.
A professora participou, ontem, de um debate na Academia Brasileira de Ciências (ABC), no Rio de Janeiro, que contou com a participação de outros especialistas na questão da emergência climática. Ela alertou, ainda, que está previsto um recrudescimento da seca na Amazônia antes da chegada da temporada de chuvas, que está atrasada.
“A seca na Amazônia era esperada apenas para o verão, mas chegou antes. Entre março e maio do ano que vem, quando o El Niño começa a decair, a gente espera a falha na estação chuvosa no Nordeste e piora da seca na Amazônia”, explicou Regina.
“Estamos avisando com meses de antecedência para que os governos se preparem e mantenham monitoramento contínuo”, alertou o físico, meteorologista e membro da academia José Marengo, que também integra o Cimaden. Segundo estudos, as temperaturas no Norte e no Nordeste podem ficar entre 0,5°C e 2,5°C acima da média no ano que vem.
Semideserto
O engenheiro e meteorologista Carlos Nobre — um dos principais nomes das pesquisas sobre aquecimento global — apresentou num cenário que beira a catástrofe, caso não sejam implementadas medidas para mitigar os efeitos do aquecimento global, que potencializou o fenômeno El Niño neste ano. O risco, para a Amazônia, é a “savanização” — a transformação de quase metade da área de floresta em savanas pobres de biodiversidade.
No Nordeste, as projeções para os próximos anos também são preocupantes. Segundo ele, áreas do semiárido já começam a virar semidesertos. “Se nada for feito para conter as emissões (de gases do efeito estufa), em 2100 as ondas de calor podem se tornar tão extremas que, por exemplo, a região tropical do planeta terá áreas que irão exceder os limites fisiológicos e sociais humanos”, disse.
“É muito importante que os governos federal, estaduais e municipais tenham políticas para atacar essa seca. Centenas de milhares de cisternas podem demorar (para serem instaladas), mas, pelo menos, é preciso apoiar as populações com relação ao fornecimento de água e à proteção da produção agrícola. Precisamos retomar, neste ano, a resposta a essa seca que virá”, advertiu Nobre.
Fonte: Vinicius Doria/Correio Braziliense