O véu do preconceito é o que, muitas vezes, distancia as mulheres muçulmanas do mercado de trabalho, uma realidade relatada por algumas delas que moram na cidade de João Pessoa. Segundo as muçulmanas, quando os empregadores percebem estar diante de uma seguidora do islã, tudo fica mais complicado. “Eu nunca fui para uma entrevista com as roupas do islamismo. As pessoas jamais me contratariam usando minhas roupas de muçulmana”, contou Carolina Cabral, formada há cinco anos em Enfermagem na Universidade Federal da Paraíba. Desde que se formou, nunca conseguiu uma vaga no mercado de trabalho.
Carolina é filha de João de Deus Cabral, ex-pastor evangélico e hoje um dos líderes do Centro Islâmico, localizado no Bairro dos Estados, na capital paraibana. No local em que os seguidores do Islamismo se reúnem para fazer suas orações e convivências. Segundo ela, cerca de 40 muçulmanos moram atualmente em João Pessoa.
Dentro de si, Carolina guarda um sonho: trabalhar vestida de véu como enfermeira do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu). Ela comentou que certo dia viu a foto de um muçulmana, que é enfermeira de urgência e emergência, com véu e desde esse dia se imagina da mesma forma. “Não me sinto bem sem o véu. É estranho. Não é o mesmo prazer de agradar a Deus. É um sonho trabalhar de véu”, comentou.
Contudo, para viver esse sonho ela precisa enfrentar o preconceito. Segundo a muçulmana, o prejulgamento acontece até quando ela está vestida da mesma forma que as pessoas de outras religiões e credos. “Eu vou para as entrevistas de emprego sem o véu, mas quando eles vêm a minha identidade, que é islâmica, logo é dada uma desculpa. É uma coisa mais sutil, porém, percebemos que é porque somos muçulmanas”, relatou. Apesar disso, Carolina não pretende desistir, pelo contrário a meta é prestar um concurso para trabalhar no Hospital de Emergência e Trauma de João Pessoa. Ela acredita que assim vai enfrentar em menor proporção o preconceito de ser quem ela realmente é.
Já dentro do mercado, Soraya Vilar, que se tornou muçulmana há pouco mais de um ano, trabalha em canteiros de obras. “Eu não uso o véu no trabalho. Mulher já chama atenção em obras e vestida assim, eu pararia as obras”, contou.
Soraya relatou ter ido um dia vestida com as roupas próprias do Islamismo para uma confraternização da empresa. “Eu disse que só ia se fosse vestida”, ressaltou. De acordo com ela, chegando no local, muitas pessoas nem se aproximaram dela. Outras ficavam cantando músicas árabes na sua frente. Em busca de profissionalização, ela cursa Direito e durante as aulas usa o véu. No entanto, o ambiente acadêmico foi apontado por Soraya como um local de difícil convivência religiosa. “Já sofri muito bullyng. Fui chamada até de mulher bomba. Essas coisas nós escutamos muito. Mas não dou ênfase a isso, quem me justifica é Deus”, frisou. Segundo ela, muitas pessoas da sala de aula evitam o relacionamento. “Muitos nem me olham”, disse ela.
De acordo com Luciana Campos, doutoranda em Letras pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e pesquisadora sobre as poetisas muçulmanas e história dos povos árabes, atualmente há uma confusão muito grande entre o que é o Islã e as notícias que mostram os muçulmanos exclusivamente como terroristas. “Essa visão atrapalha, sim, a imersão das mulheres muçulmanas no mundo do trabalho. Muitas vezes uma candidata a uma vaga de emprego, mesmo tendo todas as qualificações exigidas, é descartada por usar o véu”, comentou ela.
Ainda segundo Luciana, elas são mulheres e, portanto, são capazes como qualquer outro ser humano de estudarem e desempenharem qualquer função com competência. “Creio que as qualificações deviam estar na frente das crenças e da vestimenta”, explicou. A doutoranda ressaltou que nos dias atuais as mulheres muçulmanas ocupam avançados postos de trabalho e cita como exemplo da década de 1990, o Paquistão teve como Primeira Ministra por duas vezes Benazir Bhutto. Ela também cita que algumas são comissárias de bordo eficientes e competentes que dominam mais de três línguas estrangeiras, são professoras universitárias, médicas, jornalistas.
O Pastor evangélico Flávio Henrique, que trabalha juntamente com a comissão da diversidade religiosa da Ordem dos Advogados da Brasil na Paraíba, diz que todo segmento deve receber as pessoas independentemente da sua religiosidade. “Quando alguém mede o outro pela religião que segue está reduzindo o ser humano, a competência educacional e profissional deve ser levado muito mais em conta”, disse.
Do G1 PB