S.O.S Sertão!
O meu sertão paraibano está morrendo. O cenário é macabro, desolador. O querido torrão parece brasa. Está pegando fogo. Está esturricado, rachado, em chamas. Tudo é sombrio, como se fosse um vale de lágrimas. Para os sertanejos, a situação está de assombrar, e suplicam: Meu Deus, nosso eterno Pai, tenha misericórdia de nós!
O canto da “asa branca”, de Luís Gonzaga, continua mais real do que nunca. A seca castiga, e os sertanejos se desesperam. O cenário é de desolação. Os maiores açudes da região vão desaparecendo. É um verdadeiro “tsunami”. Vai arrasando tudo que vem pela frente. Nada sobra. E para desanimar ainda mais os homens da roça, as previsões meteorológicas são desanimadoras, catastróficas. Apesar de tudo isso, os sertanejos não perdem a esperança, porque acreditam incondicionalmente no Deus da vida: “Deus é nosso pai. Ele não nos abandona”.
Os filhos e filhas do sertão lamentam, se desesperam, choram, ao ver seus açudes secos, seus animais passando fome e sede. Para eles, isso é sinônimo de tragédia, de morte. E assim, com a voz embargada, falam: meu Deus, tudo está se acabando, nunca vimos coisa igual! E as lágrimas correm dos olhos. Os homens e mulheres fortes, corajosos, determinados, segundo Euclides da Cunha, não resistem a tanta dor. Sua valentia e bravura vão esvaindo-se, como a dizer: não aguentamos mais.
A tortura da seca, o sol inclemente e o calor de torrar só aumentam o drama do povo. O seu clamor pungente sobe a Deus. É preciso ser forte para ouvi-lo. As palavras que saem de sua boca são palavras tristes, fortes, chocantes, desesperadoras:
-Padre Djacy, meu açude secou, e agora? Sem água vamos morrer.
-Sei não, estou com 84 anos, nunca vi coisa igual. Antigamente havia seca, mas como agora ,nunca vi.
-Padre Djacy, quando eu olho para a roça, me dá um desespero danado. Tudo seco, sem água, sem nada. Meu Deus, o que será de nós daqui pra frente!
-Sei não, parece que desta vez os sertanejos vão morrer mesmo. Nem pra São Paulo podemos ir, porque lá também não tem água.
Deus me livre de ir pra São Paulo. Se for pra morrer de sede, prefiro morrer no meu Sertão. Pelo menos morro em casa.
-Só Deus para nos socorrer desta seca cruel. Tenho esta idade avançada e nunca vi seca tão violenta como agora. Sei não.
-Parece que o sertão vai pegar é fogo. É calor de torrar. E o pior, falta água até pra tomar gente tomar banho.
-A nossa esperança é a transposição das águas do rio São Francisco. Que o governo apresse essa obra para nos salvar da sede.
-Uma senhora de 70 anos me dizia: padre djacy, vamos morrer de sede. vi lágrimas nos seus olhos.
-Um idoso dizia-me: padre, nunca vi coisa igual. Parece que vai se acabar tudo.
– Meu Deus, não deixe a gente morrer de sede e calor.
-Quero água! Quero água! Quero água! a nossa vida está se acabando, desabafa seu Severino.
-Padre Djacy, uma casa cheia de gente sem água é um inferno. Só Deus para ver a nossa situação.
-Como fazer a janta, se não tem um pingo d’água?
-Hoje a janta vai ser refrigerante com pão, porque não tem um pingo d’água.
-Sei não, uma casa com crianças, pessoas idosas, sem água é um verdadeiro clamor.
-Olha, Padre Djacy, quando falta água do carro pipa, o jeito é a gente tomar água salobra. Depois que a gente bebe, a gente come rapadura para tirar o gosto do sal.
-Meu gado está morrendo de fome. Não tenho dinheiro para comprar ração. Não sei o que faço. Tenho vontade de chorar quando vejo meu gado com fome e sede.
-O leite acabou. O gado com fome e sede não dá leite. Acabou mesmo.
-Na minha cidade está havendo até briga por água. Uma multidão disputando uma lata d’água.
-Ontem, na minha rua, algumas pessoas trocaram murro e mais murros por conta de água. Cada um quer pegar sua água, só que não tem para todos, e aí começa a confusão. Menino chora, mulheres discutem e alguns homens vão logo pra a tapa.
-Lá em casa os troços do almoço e da janta estão todos sujos. Não tenho água pra lavar nem as mãos. Acredita?
-Padre, onde eu moro, três horas da madrugada já tem fila grande de gente para pegar água. É um Deus nos acuda.
-Se Deus não colocar a mão no meio, seu padre, vai morrer muita gente no sertão
-Já perdi tudo. Todo o meu rebanho morreu. Acabou tudo mesmo.
-Quem pode comprar uma carroça d’água ainda vai, e quem não pode?
-Um carro pipa particular custa mais de cem reais. O que a gente ganha não dar pra comprar água.
-Todo dia eu compro água. No dia que não tenho dinheiro, o jeito é beber qualquer água que aparecer. Ninguém vai morrer de sede, não é?
-Hoje, ter banheiro dentro de casa é luxo. Estou vendo a hora de voltar o tempo da gente ir para o mato, como antigamente.
..
-E Padre, a gente cava um poço, mas a água é salobra demais. Não tem que beba. Ave Maria!
-Um poço custa três mil reais. Se cavar e não der água, a gente tem que pagar a metade. É prejuízo mesmo.
-Sei não, o sertão está virando deserto. Está se acabando tudo. Tudo morrendo.
-Disse-me Francisca: quero ir embora do sertão. Estou desesperada sem água. Não quero mais ficar aqui. Não aguento mais. Essa vida não aguento mais. Estou sem saber o que fazer.
-Vamos rezar, padre, pra ver que Deus olha pra nós. Que Deus tenha compaixão de nós.
-Meu sonho, padre Djacy, é um dia ver as aguas do São Francisco matando a nossa sede. Tenho esperança que esse dia vai chegar. Tenho fé em Deus.
-Tenho 73 anos. Penso que vou morrer ouvindo a “asa branca” de Luís Gonzaga. Vou cantar um pouco pra o senhor ouvir. Não canto bem, mas canto alguma coisa:
“Que braseiro, que fornalha
Nem um pé de plantação
Por falta dágua perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão”.
O grito estridente, desesperador, do profeta das Lamentações, continua ecoando na boca dos sofridos sertanejos do Nordeste brasileiro:
“Ó vós todos, que passais pelo caminho, olhai e julgai se existe dor igual à dor que me atormenta” (Lam. 1:12).
Padre Djacy Brasileiro, em 26 de novembro de 2015.
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