“Acho que o processo de aprimoramento dos programas sociais é sempre algo bem-vindo. Minha leitura é de que não vai haver corte, mas um pente-fino mesmo, um cruzamento com outros bancos de dados para refinar o perfil dos beneficiários, coisa que já foi feita em outros lugares, inclusive no Rio de Janeiro”, explica o economista Marcelo Neri, diretor do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas.
O economista – que já foi ministro-chefe da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) do governo e presidente do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) – ressalta, no entanto, que o Bolsa Família é um dos melhores programas sociais já implementados, responsável por 20% da redução da desigualdade no país desde 2001. A vantagem do programa, segundo o economista, é que ele custa pouco (menos de 0,6% do PIB) e é muito eficiente.
“É o programa social mais eficiente que temos”
Um estudo do Ipea mostra que o programa estimula a economia do país por meio do aumento do consumo na camada mais pobre da população. Para cada R$ 1 aplicado pelo governo no programa de transferência de renda há um aumento de R$ 1,78 do PIB.
“O dinheiro do Bolsa Família é fundamental ponto de vista econômico, porque ele é gasto na periferia, fazendo o comércio local girar”, explica o presidente do Instituto Data Popular, Renato Meirelles. Os números mostram que o programa reduz a taxa de natalidade, a mortalidade infantil e a evasão escolar, pois condiciona o recebimento do benefício a uma série de fatores, como a vacinação das crianças e a frequência escolar.
“Não é uma revolução, mas é o programa social mais eficiente que temos”, afirma Neri. “Agora, o que me parece é que no calor do debate, com o acirramento da polarização política, está havendo muito ruído na comunicação. Muitas pessoas estão olhando para o Bolsa Família como se ele fosse um problema, quando, na verdade, ele é parte da solução. Ele reduz a pobreza muito mais do que qualquer outra medida; é 400% mais eficiente do que o aumento do salário mínimo ou das aposentadorias, por exemplo; não é pouca coisa.” Isso ocorre porque o Bolsa Família alcança uma parcela muito pobre da população que, em geral, vive de subempregos e não é contemplada nem com o salário mínimo nem com a aposentadoria.
Instrumentalização política
Para o professor de economia da PUC-RJ José Márcio Camargo, a reavaliação do cadastro vem sendo feita desde a implementação do programa e não significa que ele será reduzido. Camargo vê um uso político das críticas à reavaliação do perfil dos beneficiários.
“Os ânimos estão exaltados, e o governo (do PT) está tentando usar politicamente qualquer coisa que possa tornar o novo governo de Michel Temer mais difícil. Então, na minha opinião, essa propalada redução do programa tem um componente político.”
Camargo frisa ainda que reduzir significativamente o programa com o intuito de economizar verbas não seria eficiente, uma vez que o Bolsa Família gasta poucos recursos e de forma bastante focalizada na parcela mais pobre da população.
Mudança de enfoque
Já o presidente do Instituto Data Popular vê uma mudança de perspectiva sobre o programa no governo interino de Michel Temer. “Pelas declarações dadas, me parece que o atual governo tem uma visão do Bolsa Família como um programa assistencial, que garanta apenas que ninguém passe fome, enquanto que o governo anterior o via como um programa de inclusão, com o objetivo de manter as crianças na escola e construir um país melhor”, sustenta Renato Meirelles. “Se o programa é visto meramente como assistencial, a redução faz algum sentido.”
Para Meirelles, a verdadeira questão por trás da discussão é quem vai pagar a conta do ajuste fiscal que precisa ser feito para botar a economia em ordem e fazer o país voltar a crescer: os que têm mais dinheiro ou os que têm menos dinheiro.
“As decisões sobre como e onde cortar vão refletir essa escolha. Cortando do Bolsa Família, vai tirar pessoas lá da base da pirâmide, cujos filhos estão estudando graças ao benefício. Mesmo que dê certo, que o país volte a crescer, vamos ter mais crianças analfabetas. Então, na minha opinião, esses cortes não podem ser feitos às custas do futuro. O aumento da escolaridade é um sinalizador imediato do futuro que vamos ter.”
Msn