A Inteligência Artificial: reflexões sobre um tema polêmico e atual
Giovanny de Sousa Lima
Inteligência Artificial (IA) constitui-se em aspecto importante da Computação e Informática, que se propõe a elaborar e disponibilizar dispositivos simuladores da capacidade humana de raciocinar, efetivar decisões, resolver problemas. Resulta do processo de revolução científica e tecnológica do mundo contemporâneo, acima de tudo, nas oito últimas décadas. E, mais precisamente, do evolutivo desenvolvimento dos dois campos de conhecimento citados acima.
Há, na atualidade, uma crescente e pluralista operacionalização da Inteligência Artificial em vários setores da economia brasileira, bem como na economia de vários países, sendo tal fato mais transparente naqueles que são desenvolvidos, situados na Europa Ocidental, América do Norte e Ásia.
Exemplos plausíveis e comprováveis das aplicações da Inteligência Artificial podem ser observados na produção e difusão de jogos eletrônicos virtuais; inovadores programas de computador; geração de aplicativos cada vez mais sofisticados para sistemas informacionais; robótica; dispositivos para reconhecimento facial, de voz e escrita a mâo; programas de diagnósticos médicos; investigações e explorações aeroespaciais; dinamização da produção e circulação – cada vez mais rápida e diversificada – das informações em todos os continentes. O modo das pessoas comunicarem-se vai sendo alterado, gradativamente. Produções educacionais, artísticas e culturais, e novas formas de comunicação, são inventadas e reinventadas com a utilização progressiva da Inteligência Artificial.
Essencial de tudo isso é que não seja materializado processos de morte ou desprezo pelo diálogo e interações humanizadoras, dignificantes, solidárias e fraternas entre todas as pessoas. Todas as máquinas, por mais úteis, engenhosas, fantásticas, utilitárias, imprescindíveis que sejam, devem estar subordinadas e sob o controle da inteligência humana, em tempo integral, voltadas totalmente para o bem estar físico, mental, social, cognitivo e cultural, de todos os integrantes da humanidade. A regulação do uso da Inteligência Artificial, especialmente no Brasil, precisa ser efetivada pelo Congresso Nacional e outros poderes da República Federativa Brasileira, inclusive com a efetivação de sugestões e propostas encaminhadas pela sociedade civil organizada.
O que não é, verdadeiramente, admissível, é o uso da Inteligência Artificial para convertr-se em um oceano de fake news, torpeadora do legado educacional, cultural, político e científico da humanidade, construído e conquistado ao longo da História. Que possa existir, e até prosperar, contudo, necessariamente alicerçada na ética e no bom senso.
No campo educacional, e no seu núcleo, constituido pelo processo ensino-aprendizagem, a Inteligência Artificial já se faz presente, através de diversos recursos digitais, utilizados no cotidiano escolar. Basta verificarmos a IA Generativa disponibilizada em sistemas conversacionais, como Chat GPT ou aplicativos para leitura, revisões, correções de textos e resoluções de problemas envolvendo diversos campos do conhecimento, inclusive na Educação Básica.
O impacto da Inteligência Artificial na Educação
O sentir-pensar-fazer educativo e pedagógico, de maneira evolutiva, vai sendo modificado como decorrência, inclusive, também, da intensa pesquisa acadêmica que hoje se processa no Brasil no campo da Inteligência Artificial. Produções técnicas e científicas nesta área vão corporificando dimensões teóricas e práticas para o seu desenvolvimento. E isso, obviamente, implica em modiicações na formação continuada dos professores(as), práticas docentes, projetos político-pedagógicos, relações entre educadores e educandos, e novas maneiras de se fazer a apreensão de conhecimentos e saberes, por parte de educadores e educandos. O cotidiano escolar, aos poucos, ao incorporar as novas tecnologias, por extensão, incorpora a Inteligência Artificial (IA).
Conforme FERNANDES (2023), em seu texto “Vantagens e desvantagens da Inteligência Artificial na Educação”, de modo didático e pertinente, deixa evidente que:
A IA na educação não está limitada ao ambiente escolar. A capacidade de aprender a utilizar a IA tornou-se uma habilidade fundamental em nossa sociedade cada vez mais digital. Ela não apenas aprimora o processo educacional, mas também nos prepara para um futuro onde a tecnologia é parte essencial da vida. Ela é uma ferramenta valiosa que aprimora o processo educacional e o torna mais eficiente e acessível. No entanto, é crucial gerenciar as preocupações e desafios que surgem no caminho para garantir que a IA na educação alcance seu pleno potencial. A Inteligência Artificial (IA) tem desempenhado um papel crescente na educação, transformando a forma como os estudantes aprendem e os professores ensinam. Com a IA, é possível personalizar o ensino, adaptando-o às necessidades individuais de cada aluno. Isso significa que o ritmo de aprendizado pode ser mais flexível, permitindo que os estudantes avancem no material no seu próprio tempo. Além disso, a IA pode auxiliar na identificação de lacunas de conhecimento, fornecendo feedback imediato e direcionado. A introdução da IA na educação está revolucionando a forma como aprendemos e ensinamos.Eis algumas das transformações mais notáveis: aprendizado personalizado, intervenção precisa, acesso universal (…). (FERNANDES, 2023)
Tais proposições são reveladoras que a Inteligência Artificial não é uma aventura humana, é uma produção cultural e, apesar dos seus limites e contradições, inclusive no campo da ética, veio para ficar. Esta aí, a nos desafiar a conhcê-la e, na medida do possível, utilizá-la quando realmente se fizer necessário. Negligenciar ou desconsiderar, na sua plenitude, a Inteligência Artificial, é um contrasenso, que em nada acrescenta a modernização e democratização da Educação.
Embora a Inteligência Artificial esteja articulada, conectada, a significativo patrimônio científico, utilizando várias ciências para que possa existir concretamente, atribuir a configuração e status de ciência a este ramo do conhecimento, ainda considero contraproducente ou desproposital, mesmo reconhecendo a trajetória e produções acadêmicas realizadas por inúmeros e conceituados pesquisadores brasileiros. Como atribuir a condição de ciência para uma área do conhecimento se ainda não possui mecanismos para impedir que em seu nome e recursos seja praticada amplamente a produção e difusão de fake news; estelionatos financeiros e eleitorais; graves violações de direitos autorais; dados e informações socializados – nem sempre fidedignos, autênticos, coerentes e precisos? Como operacionalizar a Inteligência Artificial no território nacional sem a sua plena regulamentação em todas as esferas ou setores da sociedade brasileira?
A teia de conexões entre a Inteligência Artificial e várias ciências não assegura, sistemática e verdadeiramente, que a mesma já seja uma ciência. Não há uma teoria ampla, sistematizada, da IA. Como não há rigor científico em partes expressivas de suas operacionalizações, isto é, quando da produção e difusão de dados e informações que não são reais, as consequências são notórias, como por exemplo: desenvolvimento de esforços para obtenção de dados e informações realmente válidos e precisos para suas iniciativas, empreendimentos, projetos, e construções diversas das pessoas.Há que surgir novas concepções que favoreçam, substancialmente, o manancial teórico e prático da Inteligência Artificial, para que ela tenha suas aplições mais eficientes, seguras e eficazes.
Conforme GOMES (2010, p. 1) apud RUSSELL; NORVIG, 2004, a Inteligência Artificial constitui-se em uma ciência recente, importante e de grande utilidade, assim explicitada:
A inteligência artificial é uma das ciências mais recentes, teve início após a Segunda Guerra Mundial e, atualmente, abrange uma enorme variedade de subcampos, desde áreas de uso geral, como aprendizado e percepção, até tarefas específicas como jogos de xadrez, demonstração de teoremas matemáticos, criação de poesia e diagnóstico de doenças. A inteligência artificial sistematiza e automatiza tarefas intelectuais e, portanto, é potencialmente relevante para qualquer esfera da atividade intelectual humana. Nesse sentido, ela é um campo universal. (GOMES (2010, p. 1) apud RUSSELL; NORVIG, 2004).
Em tais concepções, fica evidente a Inteligência Artificial enquanto ciência. É a posição do pesquisador, em contraposição a minha, anteriormente elaborada. Isto é um fato natural, e é assim mesmo que ocorre a evolução do patrimônio científico. A evolução científica é dialética e resulta de convergências sistemáticas e de divergências bem fundamentadas, exigindo a todos mais estudos, pesquisas e reivenções de conhecimentos e saberes.
Aproveito o ensejo, estimados leitores(as), para destacar a abordagem de um dos mais renomados neurocientistas do mundo, que é o Miguel Nicolelis, durante entrevista sobre a Inteligência Artificial:
Na realidade, o cérebro evoluiu através de um processo aleatório, chamado ‘seleção natural’, para otimizar as nossas chances de sobreviver. O cérebro não evoluiu para decifrar o que está aqui fora. Ou seja, a nossa percepção do mundo exterior não é, necessariamente, um match perfeito. Não é uma cópia do que existe. Não. O cérebro evoluiu para extrair do que existe aqui fora as relações causais que nos permitam maximizar nossa sobrevivência. Da mesma maneira, o cérebro utiliza a estatística que é criada pelo grupo social, ou pelo mundo exterior, de recompensas, para calcular, para otimizar para que caminho eu devo seguir para maximizar a minha sobrevivência. Então, vou deixar todo o mundo falando:‘estamos morrendo de medo que a inteligência artificial (que não é nem inteligente, nem artificial, na minha opinião) substitua o ser humano’. O problema não é esse, o problema é o oposto! Se todas as recompensas do mundo moderno forem ditadas pela lógica digital: sim ou não,não existir nenhum intervalo cinza entre branco e preto, o cérebro vai falar o seguinte:‘Opa, para eu sobreviver eu tenho que copiar essa lógica. Eu tenho que passar me comportar desta maneira’. Então, todo o sistema emocional, límbico, se torna binário, porque ele vai ter que se adaptar a estatística do mundo que o cérebro detectou e que é fundamental para a gente sobreviver.
O processo de argumentação efetivado por este renomado cientista, citado anteriormente, é de extraordinária relevância e veracidade. Só há Inteligência Artificial porque há seres profundamente inteligentes, que estudam, pesquisam, trabalham, para evolução do patrimônio científico nacional e mundial. Concordo plenamente com Nicolelis, e sua fidedigna tese, que a Inteligência Artificial nem é inteligente, muito menos artificial. É uma derivação da arte, da pesquisa, do empenho, da inventidade de homens e mulheres extremamente inteligentes.
Para os prezados leitores que realmente tiverem interesse em aprofundar nesta temática, recomendo a leitura dos livros a seguir: “Nada mais será como antes”, de Miguel Nicolelis; “O verdadeiro criador de tudo”, de Miguel Nicolelis; “Inteligência Artificial”, de Cristiano Roberto Franco; “Inteligência Artificial: avanços e tendências”, varios autores; “O que é Inteligência Artificial”, de João de Fernandes Teixeira; “Inteligência Artificial: conceitos e aplicações, de Dennis dos Santos Gomes; Inteligência Artificial: riscos, benefícios e uso responsável, de André Carlos Ponce de Leon Ferreira de Carvalho. Alguns deles estão disponíveis neste link: https://x.gd/qCLpT.
Referências
AZEVEDO, Reinaldo. Nicolelis explica por que não precisamos temer a Inteligência Artificial | Cortes do Reconversa. YouTube, 9 de agosto de 2023. Duração: 13:35. Disponível em: https://x.gd/6HebF Acesso em: 4 de agosto de 2024.
FERNANDES, Leonardo dos Santos. Vantagens e desvantagens da Inteligência Artificial na Educação. Disponível em: https://x.gd/fNHEDAcesso em: 4 de agosto de 2024.
GOMES, Dennis dos Santos. Inteligência Artificial: conceitos e aplicações. Revista Olhar Científico – Faculdades Associadas de Ariquemes – V. 01, n.2, Ago./Dez. 2010, p. 1. Disponível em: https://x.gd/u3jSAAcesso em: 4 de agosto de 2024.
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Giovanny de Sousa Lima — Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); especialista em Educação em Direitos Humanos e para os Direitos Humanos, também pela UFPB; psicólogo educacional; pedagogo; professor do Ensino Médio e do Ensino Superior em instituições da rede privada de João Pessoa, nas últimas três décadas; e ex-professor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).Também é escritor e radialista.