Epistemicídio: o apagamento de uma cor

Primeiro levaram os negros.
Mas não me importei com isso,
Eu não era negro.
(Bertold Brecht)

O conceito de epistemicídio elaborado pelo professor Boaventura de Sousa Santos é simples: aniquilamento de formas e culturas que não são aceitas pela cultura branca ocidental. Nesse contexto – e no Brasil – estão inseridas todas as  manifestações negras em toda as suas potencialidades. Mais da metade dos 210 milhões de brasileiros é composta atualmente por negros ou mestiços e é da negação da existência desses brasileiros que estamos falando.

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A escola nos ensina, desde cedo, que “negros são descendentes de escravos”. E apartir dessa gênese negra do livro didático somos “educados” a não exergar o negro como capaz de ocupar os espaços de conquista, de bravura e da contribuição para a construção da nossa nação. O ensino fundamental e médio deveria nos ensinar que negros e negras, descendem de pessoas comuns que foram sequestradas da sua terra natal e escravizadas em solo brasileiro, que foram separadas de suas famílias e tratadas como objetos, como propriedade privada e vítimas dos caprichos e horrores de uma escravidão desumana, anticristã. Há aqui uma acintosa infração à Lei 10.693/2003 que completa duas décadas neste ano.

Vamos falar de nós, heróis não narrados, mas que existimos e resistimos aos apagamentos das academias. Vamos grafar para os nosso leitores alguns nomes que merecem destaque por provarem que ser negro é ser tão capaz quanto qualquer outra etnia.

Comecemos por Aqualtune, nascida no Reino do Congo, princesa na sua terra natal. Comandou 10 mil homens em batalha contra o Reino de Portugal. Ao ser vendida como escrava foi trazida para Alagoas. Mãe de Ganga Zumba, Gana e também de Sabina a mãe de Zumbi. Seus neto Zumbi dos Palmares, foi o líder quilombola do maior quilombo no Brasil, o Quilombo dos Palmares, um modelo de organização socioeconômica que denegou o sistema escravista e é simbolo da resistência dos negros. Ao lado de Zumbi estava Dandara dos Palmares, sua esposa e defensora dos mesmos ideais. Negros.

Um arquiteto português e sua escrava geram um filho negro de nome Antônio Francisco de Lisboa, conhecido por Aleijadinho este foi alforriado pelo pai. Cresceu num ambiente de arte e recebeu educação formal e nos presenteou seu talento e arte, provando que a habilidade em esculpir não é privilegio da raça, nem de cor.

Temos um presidente da República, considerado o primeiro presidente afro-descendente do Brasil, Nilo Peçanha que mesmo em um curto mandato criou o Ministério da Agricultura, Comércio e Indústria e inaugurou a primeira escola técnica no Brasil, além do Serviço de Proteção aos Índios (SPI, antecessor da Funai). Citemos, Luis Gama, o advogado que libertava escravos alforriando até a sí próprio nos tribunais. Filho de pai branco e mãe negra livre foi feito escravo, na infância, pelo próprio genitor mas fugiu em busca do seu destino e tornou-se advogado. Morreu aos 52 anos, contudo conseguiu nos tribunais a liberdade de outras pessoas negras. É o patrono da abolição.

Outros destaques como José do patrocínio, membro fundador da academia brasileira de letras. João cândido, almirante que liderou a Revolta da Chibata. Pixinguinha, músico, compositor e arranjador. Mãe Menininha do Gantois, Iyálorixá. Carolina de Jesus, escritora. Milton Santos, reconhecido mundialmente como um dos maiores geógrafos brasileiros. Adhemar Ferreira da Silva, excepcional atleta olímpico. Grande Otelo, ator e cantor. Mussum, cantor, ator e comediante. Sugiro que pesquisem sobre a vida e feitos desses negros e muitos outros.

Finalizamos com o ratificador e marcante flagrante de epistemícídio que é o fato de Joaquim Maria Machado de Assis, o maior nome da literatura brasileira, fundador e presidente da Academia Brasileira de Letras e que teve sua imagem imortalizada, por séculos, como um homem branco, quando na realidade era negro.

O embanquecimento de sua imagem é consequência da apropriação da sua memória histórica por uma classe que o desejava branco, como o fez e faz a tantos personagens da nossa história, na estúpida tentativa de legitimar uma superioridade branca em um país de negros. E olha que nem falei em Pelé.

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Francisco Jarismar de Oliveira (Mazinho)  — Mestre em Ensino pela UERN. Licenciado em História pela UFCG; Especialista em Informática em Educação pela UFLA e Servidor Público Federal do IFPB.