Festas juninas: origens, encantamento, devoção, alegria e riqueza cultural
Por: Giovanny de Sousa Lima
Olha Pro Céu
Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha pra aquele balão multicor
Como no céu vai sumindo
Olha pro céu, meu amor
Vê como ele está lindo
Olha pra aquele balão multicor
Como no céu vai sumindo…
(Luiz Gonzaga / José Fernandes)
As festas juninas, historicamente, são produções e manifestações culturais e religiosas celebradas durante o transcurso do mês de Junho, com efetivas homenagens e devoções a Santo Antônio, padroeiro ,inclusive de minha terra natal, Bonito de Santa Fé, Pb; bem como a São João e São Pedro. Sua origem foram as festas pagãs, caracterizadas pelas fogueiras e queimas de fogos, objetivando, à época, afugentar os maus espíritos. Tais festividades tiveram início nos campos e plantações, originando os trajes típicos, os casamentos de roça, discursos do padrinho, as capelinhas decoradas, os cantos e as danças típicas do período citado.
Com o passar do tempo, as festividades foram adquirindo também, feições religiosas. Pela tradição as festas juninas constituem-se em oportunidade pertinente para celebrar os bons resultados da colheita, especialmente do milho, feijão, e outros produtos típicos da zona rural nordestina. É o período propício para que os nordestinos e, sobretudo, os sertanejos possam pedir que o próximo plantio traga bons frutos. São João é o santo protetor das colheitas e se faz comemorar com seus seguidores.
Assim, as datas realmente expressivas são, acima de tudo, os dias 13, 24 e 29 de Junho. Esta festividade é uma demonstração inequívoca, e cada vez mais forte, de devoção e homenagem a Santo Antônio, São João e São Pedro. As festas juninas, portanto, estão consubstanciadas e enraizadas de arte popular, com influências próprias das distintas regiões onde acontecem e são corporificadas por produções e manifestações de riquíssima poesia, músicas, cenografias distintas, danças, manifestações culturais pluralistas, que implodem quaisquer desertos afetivos. Na verdade, as festividades juninas são oceanos genuínos de manifestações de fraternidade, amorosidade, amizade, aperfeiçoamento de relações entre famílias e amigos. É, pois, por excelência, a grande festa cultural, popular, brasileira, capaz de mobilizar todos os anos mais de 70 milhões de pessoas, inserindo-as, diretamente, no contexto dos festejos realizados em quase todo território nacional.
Em todo o Nordeste Brasileiro, principalmente na região do semi-árido nordestino, as festividades juninas são revelações da defesa, proteção e promoção da identidade cultural do povo nordestino, representada pela obra musical de artistas, como: Luiz Gonzaga, Flávio José, Jackson do Pandeiro, Dominguinhos, Alcymar Monteiro, Sivuca, Marinez, Maciel Melo, Elba Ramalho, Bira Delgado, Biliu de Campina, Trio Nordestino, Os 3 do Nordeste, Antônio Barros e Cecéu, Genival Lacerda, Hermelinda, Adelmário Coelho, Assisão, Flávio Leandro, Fulô de Mandacaru, Genaro, Geraldinho Lins, João Lacerda, Joquinha Gonzaga, Jorge de Altinho, Leonardo de Luna, Maciel Melo, Mayra Barros, Nádia Maia, Nando Cordel, Petrúcio Amorim, Quinteto Sanfônico do Brasil, Orquestra Sanfônica Balaio Nordeste,Pinto do Acordeon, Raimundinho do Acordeon, Chambinho do Acordeon,Santanna “O Cantador”, Targino Gondim, Dorgival Dantas,Amazan, Waldonys, entre outros expoentes artísticos e musicais.
Em Campina Grande, onde é desenvolvido o “Maior São João do Mundo”, já com a convivência entre tradição e modernidade, bem como em Caruaru-PE, Mossoró-RN, São Luis-MA, Aracajú-SE e Salvador-BA, as produções e manifestações culturais relativas às festividades juninas são, renovadamente, esplêndidas, encantadoras, aglutinadoras de verdadeiras multidões e movimentadoras potentes de toda uma cadeia produtiva, comércio e turismo, cada vez mais intensificado durante o mês de Junho. É verdade que esta festa é comemorada em todas as regiões do Brasil, principalmente em nosso querido Nordeste, e foi trazida para o nosso país por influência dos portugueses, no Século XVI.
Uma das grandes atrações, ou recurso cultural formidável inerente a tal festividade é, sem dúvida, a existência das quadrilhas juninas, enquanto também manifestação de dança folclórica extremamente popular. O nome quadrilha nos remete à palavra francesa quadrille, que surgiu em Paris, na França, e era uma dança composta por quatro casais. No Brasil, país multiétnico e multicultural a quadrilha junina foi reinventada, redimensionada, reestruturada, aperfeiçoada, transbordando para o espaço urbano e industrial.
É importante ressaltar que outro ingrediente indispensável na constalação das festividades juninas é o forró (patrimônio cultural e imaterial do Brasil). Há de existir forte, vigoroso, hegemônico, sobre outros estilos e gêneros musicais. Há de existir também, concomitantemente, para beleza e atenticidade desta festa, o xaxado, o baião, o xote, o samba de côco, o cordel, e as quadrilhas juninas, tanto as tradicionais quanto as estilizadas, com passos coreografados e figurinos cheios de brilho e glamour, como está atualmente ocorrendo na grande arena de desfile e competições de quadrilhas localizada nas promidades do Estádio Almeidão, em João Pessoa, reunindo quadrilhas de quase todos os municípios da Paraíba. Uma beleza!
As quadrilhas juninas são patrimônios imateriais da cultura brasileirae se conectam com as questões sociais e culturais das diversas regiões brasileiras. As festividades juninas, pois, estão corporificadas por influências de povos variados, possuindo a pertinência de destacar o folclore e os costumes da zona rural, além de resgatar e valorizar a nossa herança cultural. Possui ainda, com seus signos, símbolos, significados, a capacidade renovada de evidenciar a riqueza da cultura popular brasileira, tão desprezada e negligenciada pela maioria dos integrantes das classes dominantes do Brasil.
Muito válido também é ressaltarmos a importância do grande, criativo e fecundo trabalho desenvolvido por centenas de músicos, maestros, tecelães, rendeiras, costureiras, bordadeiras, fogueteiros, agricultores, tapaceiros, tricoteiras, decoradores, comerciantes, vendedores ambulantes, seguranças, donos de hotéis e pousadas, iluminadores, técnicos de som, montadores e assistentes de palco, motoristas, produtores culturais, entre outros profissionais responsáveis pela estrutura organizacional e funcional dos pequenos, médios e mega eventos inerentes a tais festividades.
Conforme nos revela, com bastante propriedade, GOMES (2016, p. 20-21), em seu sistematizado trabalho “Adeus Maio! Salve Junho!”: narrativas e representações dos festejos juninos em Belém do Pará nos anos de 1950, ao abordar aspectos de festejo europeu à festividade brasileira, deixa claro que:
Essas festas, tendo raiz na cultura europeia, embalaram-se dentro da periodicidade da produção agrícola, a qual induziu o homem a celebrar e congregar com seus iguais as épocas de semeaduras e da colheita. Elas (as festas juninas) nasceram dos cultos voltados, geralmente, a uma divindade protetora das plantações, sendo resignificadas com o advento do cristianismo. Derivadas, no Brasil, dos costumes e tradições portuguesas, as festas juninas têm origem na França, no século XII, onde buscavam celebrar o solístico de verão (dia mais longo do ano, entre os dias 22 e 23 de junho), tido como véspera das colheitas. De acordo com Rita de Cássia do Amaral “assim como outras festas de origens pagãs, essa celebração do solístico ou das colheitas, como também ficou conhecida, foi ainda integrada às comemorações cristãs, sendo apresentado ao novo mundo através de um caráter de devoção religiosa. GOMES (2016, p. 20-21)
É indiscutível que as festividades juninas são expressões também genuínas de manifestações de gratidão, especialmente dos sertanejos nordestinos a Santo Antônio, São João e São Pedro pelos seus empreendimentos realizados no campo e colheita dos alimentos. Uma miscelânea muito rica, comovente e forte de trabalho, fé e incontido regozijo por metas e resultados alcançados, convertidos, geralmente, em interações sociais muito significativas.
Ainda segundo GOMES (2016, p. 117), ressaltando a importância dos festejos juninos, deixa explícito que:
O festejo junino é, hoje, de modo geral, considerado importante celebração festiva no país, não só para o cidadão brasileiro como também para indivíduos estrangeiros, servindo, muitas vezes, junto com outras manifestações festivas, como marca característica de diversos sujeitos no Brasil. Esses festejos tornaram-se uma grande janela e um magnífico palco para acompanhar a cultura popular belenense na segunda metade do século XX e sua transformação na história, a partir de suas múltiplas dimensões e apropriações.GOMES (2016, p. 117)
A exemplo do que acontece em Belém-PA e em outras regiões do Brasil, na Paraíba as festas juninas conseguem galvanizar o interesse da maioria da nossa população, assegurando a inserção de milhares de pessoas nos múltiplos ou pluralistas eventos culturais deste período. Aproximadamente, mais de 200 mil pessoas deixam a capital paraibana neste período, com destino às cidades, como por exemplo: Campina Grande, Patos, Souza, Cajazeiras, Pombal, Guarabira, Bananeiras, entre outras, visando participar dos festejos juninos, inclusive, riquíssimos também em gastronomia.
A diversidade de comidas e bebidas típicas resultante da fascinante cultura do milho, responde, satisfatoriamente, aos anseios dos paladares mais exigentes e sofisticados. Entre as comidas, podemos destacar: milho na manteiga, pamonha, canjica, cuscuz, cuscuz de tapioca, curau de milho-verde, pudim de milho-verde, bolo de milho, bolo de fubá, broa de fubá, bolo salgado de milho, pamonha salgada assada, curau de milho salgado,cocada, paçoca, pé de moleque, arroz-doce, maça do amor, caldo verde, pipoca com queijo frito, sopa de ervilha, caldo de milho. Já entre as bebidas, temos como destaques: suco de milho, quentão, quentão sem álcool, vinho quente,chocolate quente e, naturalmente, as nossas cachaças, que estão entre as melhores do Brasil.
Tudo isso retroalimentado pelos odores, sabores e cores que só as festas juninas do Brasil possuem em todo planeta. Considera-se relevante destacar também neste modesto artigo, as conclusões formuladas, com bastante propriedade, por MORIGI (2002, p. 261-262):
O tecido cultural híbrido, na festa junina, forma-se através da junção de coisas diversas, de elementos heterogêneos pertencentes a universos imaginários diferenciados o que faz ela ser um produto cultural resultante de coisas misturadas. (…) A festa junina como conjunto unitário de imagens e significações, só pode compreendida se for levada em consideração, os embates entre forças opostas e heterogêneas que a fizeram o evento emergir, os interesses em jogo nessa luta, a constante reinvenção do ritual, a fruição de sentidos e dos descompassos entre as diversas narrativas que mediam a trama da rede significativa. (…) A festa junina é fruto do hibridismo e dos descompassos entre projetos heterogêneos. Nesse processo, elementos contínuos e descontínuos, diversificações de sentido que se encontram e que se entrelaçam, compõem assim a cadeia significativa da testa. Nessa dinâmica, de trocas intermitentes entre as significações que flutuam, permeando o instituído e o instituinte, os sentidos não se homogeneizam nem a tradição fica fadada à morte, mas é nos hibridismos, no fluxo das interações constantemente reinventadas, que o ritual é revivido e recriado.
Compreende-se, com base em tais pressupostos, que mega interesses econômicos, políticos e até midiáticos, estão contribuindo para aprofundar as contradições das festividades juninas, acima de tudo em cidades que realizam mega eventos, como “O Maior São João do Mundo”, em Campina Grande-PB, por exemplo. Interesses antagônicos também no campo cultural ficam cada vez mais evidentes.
O Forró Pé-de-Serra, por exemplo, uma das expressões mais autênticas e imprescindíveis das festividades juninas, de modo injustificável, gradativamente, perde espaço ou “terreno” para a música falsamente denominada de sertaneja, como de forma corajosa, magistral e fundamental, denunciou Flávio José, recentemente, em sua apresentação no evento anteriormente citado. A convivência entre tradição e modernidade pode, perfeitamente, coexistir, desde que não seja negligenciada, torpedeada, descaracterizada, a defesa, proteção e promoção da cultura popular brasileira, nordestinamente bela e essencial.
Para reflexão dos leitores, reproduzo a letra da música de Alcymar Monteiro, “Devolva Meu São João”, evidenciadora desta cisão entre o passado e o presente:
Devolva Meu São João
Festa de São João, não é festa de peão
Respeite nossa cultura, toda a nossa tradição
Fora breganeijo, devolva meu São João
Fora breganeijo, devolva meu São João
Nossas manifestações, às futuras gerações
Culinária, folclore, toda a nossa ‘tradução
Não apague a fogueira, o fogo da multidão
Devolva nossa sanfona, devolva meu São João
Cante lá que eu canto cá, a cultura popular
Bote a viola no saco, vá cantar noutro lugar
Nós temos que preservar nossa identificação
Devolva Luiz Gonzaga, devolva meu São João
Festa de São João, não é festa de peão
Respeite nossa cultura, toda a nossa tradição
Fora breganeijo, devolva meu São João
Fora breganeijo, devolva meu São João
Nossas manifestações, às futuras gerações
Culinária, folclore, toda a nossa ‘tradução
Não apague a fogueira, o fogo da multidão
Devolva nossa sanfona, devolva meu São João
Cante lá que eu canto cá, a cultura popular
Bote a viola no saco, vá cantar noutro lugar
Nós temos que preservar nossa identificação
Devolva Luiz Gonzaga, devolva meu São João
Festa de São João, não é festa de peão
Respeite nossa cultura, toda a nossa tradição
Fora breganeijo, devolva meu São João
Fora breganeijo, devolva meu São João.
Que possamos, com bastante criatividade, determinação, mantermos todas as tradições das festividades juninas, preservando e fortalecendo, evolutivamente, nossa identidade cultural e, obviamente, por extensão, o forró, enquanto patrimônio cultural e imaterial do Brasil. Abraço fraterno a todos!
Referências
GOMES, Elielton Benedito Castro. “Adeus Maio! Salve Junho!”: narrativas e representações dos festejos juninos em Belém do Pará nos anos de 1950. Dissertação (História Social da Amazônia). Belém: Universidade Federal do Pará, 2015.
GONZAGA, Luiz; FERNANDES, José. “Olha pro céu”. Disponível em: https://is.gd/AYU0Kw Acesso em: 11/06/2023.
MONTEIRO, Alcymar. “Devolva Meu São João”. Álbum: Feliz da Vida. Center Comércio de CD do Brasil Ltda, 2012. Disponível em:https://is.gd/KcgifQ Acesso em: 11/06/2023.
MORIGI, Valdir. “Festa junina”: hibridismo cultural. Cadernos de Estudos Sociais, vol. 18, n° 2. Recife: [s.n.], 2002, p. 261-262.
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Giovanny de Sousa Lima — Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); especialista em Educação em Direitos Humanos e para os Direitos Humanos, também pela UFPB; psicólogo educacional; pedagogo; professor do Ensino Médio e do Ensino Superior em instituições da rede privada de João Pessoa, nas últimas três décadas; e ex-professor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).Também é escritor e radialista.