Há 80 anos apagou-se o Lampião
“Diga a ele que eu não tenho medo de boi velhaco, quanto mais de bezerra.”
(Lampião para o Tenente João Bezerra)
Do outro lado, na margem alagoana do rio São Francisco, Corisco ainda ouviu os estampidos mas nada pode fazer para defender o amigo e Capitão Lampião. Era madrugada de 28 de julho do ano de 1938. Há exatos 80 anos passados o sertão nordestino gravava para história um celeiro de fatos e mitos e, no imaginário popular, imortalizava o heroi/bandido Virgulino Ferreira da Silva.
Havia dois dias que Corisco havia passado na Grota de Angicos, a convite do Capitão. Trataram sobre uma reposta ao Tenente Zé Rufino e sabe-se lá o que mais, contudo o “Diabo Loiro” não quis permanecer naquele local por achá-lo uma “cova de defunto: com uma entrada e uma saída”. Mesmo com o acoitamento de Pedro Cândido, residente em Entre-Montes, cidade próxima a Piranhas, Corisco deixou o local temendo pelo amigo. Ali, em Sergipe, na fazenda Angicos, no município de Poço Redondo o esposo de Dadá sentiu um cheiro fúnebre na atmosfera.
Na véspera, na noite de 27 de julho, Maria Bonita, Dulce e Cila afastaram-se do bando e foram fumar em um ponto mais alto. A noite escura atiçou os olhos de Cila para uma luz que movia-se na caatinga ao longe. A princípio chamou a atenção das amigas: “- Não será luz de pilha (lanterna)?”. Maria não deu ouvidos e afirmou ser um vagalume. Estava encerrado o primeiro ato da trágica cena vindoura.
Por volta das 22 horas todos os 39 cangaceiros se recolheram para o descanso noturno. No dia seguinte partiriam. A noite foi de descanso para os acoitados e de intensa movimentação para os macacos. As volantes do Tenente João Bezerra, o Aspirante Ferreira de Melo e do sargento Aniceto Rodrigues já se articulavam desde a tarde do dia 27.
O Sargento Aniceto havia recebido denuncia de Joca Bernardes, vizinho do coiteiro Pedro Cândido, e telegrafou para os demais anunciando: “Venha imediatamente. Boi no pasto!”. Estava montado o precipício dos cangaceiros. A morte cavalgava, armada até os dentes, em sua direção. O dia 28 seria lavado em sangue.
Arrancada uma unha ao punhal e uma pontada na costela “mindinha” foi suficiente para Pedro Cândido entregar o Capitão e seu bando. Dali em diante as metralhadoras portáteis foram alimentadas e as demais armas abastecidas para o que seria o grande massacre da Grota de Angicos e o apagar das luzes do Lampião e seus comparsas.
As 5 da manhã alguns cangaceiros já atendiam ao convite de Lampião para rezarem o Ofício de Nossa Senhora. Logos após muitos retornaram aos leitos em atenção ao frio matinal. O cangaceiro Amoroso vai buscar água no poço e de repente é alvejado. Por sorte o tiro não o elimina e este alarma para o bando, ainda sonolento, a desgraça da hora chegada. Inicia-se o furor de disparos sendo Maria Bonita, aos gritos de “- Valhei-me, Nossa Senhora!”, a segunda alvejada. A exceção de Vila Nova, todos os demais companheiros estavam sem paramentos, o que facilitou o serviço dos volantes.
20 minutos de ação e terror selaram os destinos de Quinta-Feira, Mergulhão, Luís Pedro, Elétrico, Caixa de Fósforo, Enedina, Cajarana, Moeda e Mangueira. O soldado Sandes decapita Maria Bonita ainda com vida e outro, Honorato, dispara contra a cabeça de Lampião aos gritos do Tenente João Bezerra “-Não atirem na cabeça! Não é pra esbagaçar! É pra cortar e levar!”.
Finda a cena, os volantes degolaram todos os 11 cangaceiros mortos e tripudiaram sobre seus pertences, menos o soldado Adrião Pedro de Souza, morto em combate. Suas cabeças, a exemplo de outros rebeldes nacionais, foram expostas ao publico em um espetáculo grotesco e intimidador.
Virgulino Ferreira da Silva, vulgo Lampião natural de Serra Talhada-PE, nascido a 4 de junho de 1898 e imortalizado em Poço Redondo-SE, em 28 de julho de 1938, disse: “Quando cubro um macaco na mira do meu rifle, ele morre porque Deus quer; se Ele não quisesse, eu errava o alvo.”
FRANCISCO JARISMAR DE OLIVEIRA (Mazinho)
Licenciado em História pela UFPB
Servidor Público Federal do IFPB