Nem sempre foi assim, mamãe!
A maternidade tem um efeito muito humanizador. Tudo fica reduzido ao essencial. (Meryl Streep)
Nem sempre foi assim, tão meigo, tão doce, tão emocionante e transcendental. O dia das mães, nem sempre existiu, muito menos da forma como o vivenciamos nos dias de hoje. No patriarcalismo imperante na história humana não houve espaço para esses sentimentalismos. A mulher não foi amada por sua maternidade durante um bom tempo histórico. Essa adoração é recente e sinaliza a maturidade da nossa espécie.
Somos o único animal com a distinta capacidade de sentir e de expressar as nossas emoções. Temos ainda a peculiar atenção de perceber e analisar, de forma crítica, o que acontece ao nosso derredor. Com isso, analisamos e compreendemos o mundo de forma única e consciente, o que nos leva a construção da nossa visão individual e particular, dentro do universo de sentimentos que nos circunda, e a agirmos ao seu comando. Usufruímos da razão.
Visitando a maternidade na antiguidade clássica veremos que, no Egito, essa particularidade feminina era devotada a deusa Isis e o nome do bebê já era anunciado pela parteira no ato do parto de acordo com a posição dos astros naquele momento. Já na Grécia antiga, a deusa Ártemis era invocada no início das contrações da parturiente, com cânticos junto a futura mãe. Na Roma antiga não era diferente. A maternidade era divinizada não pela mãe, mas pelo transcendente, etéreo, e a parteira era peça importante nesse ato.
Na Europa dos séculos XVI ao XVIII, costumeiramente enviavam-se os recém-nascidos, filhos da aristocracia, para serem cuidados por amas de leite. A cria só retornava ao seio materno em idade entre cinco e sete anos. A mortalidade infantil foi grande nesses dois séculos, o que nos leva a perguntar o que levava as mães a exercerem essa prática, tão contrária ao universal instinto maternal como o vemos hoje.
A partir do século XVIII a medicina se apropria do momento do parto e as parteiras começam a sair de cena. Após o Renascimento o cenário, que era totalmente feminino, sofre a invasão da ciência e do homem. Esse fato higienista diminui a mortandade e inicia um novo conceito para a família e a maternidade. A mulher avança na conquista de seu espaço dentro do lar e começa-se a formatar a família moderna.
Uma família amorosa, com espaços domésticos delimitados em cômodos separados por paredes e com observância da privacidade, instituída pelo estado e especialistas, molda-se a partir dos séculos XIX. Nesse contexto o papel de inferioridade da mulher assume outro perfil: o de genitora de homens. Homens que seriam os defensores da pátria e dos bons costumes. Com a ajuda da medicina a maternidade alça ao patamar de responsabilidade social.
Jean-Jacques Rosseau discursa, em “Émile” (1762), que somente as mulheres poderiam procriar e por isso, deveriam se sentir especiais. A igreja também influenciou, de forma determinante, para a divinização do imaginário materno, com a vinculação desta a Maria, a Virgem, mãe de Jesus o filho do Divino Pai Eterno. Mas foi Anna Jarvis, em uma luta de 1905-1911, que se tornou a mãe do dia das mães e que sofreu os primeiros impactos da comercialização da data.
A partir desse momento a pedagogia do puritanismo e da castidade apossou-se da feminilidade procriadora e a mulher viu-se conduzida ao cativeiro da moralidade, do qual tenta desvencilhar-se nos dias de hoje, porém encontra no machismo a adoração da procriação e a cobrança da pureza da maternidade, hoje divinal não pelo transcendente, mas pela exclusividade uterina.
Finalizo com um ditado judaico que assim diz: “Deus não pode estar em todos os lugares e por isso fez as mães.” Sófocles afirma que “os filhos são para as mães as âncoras da sua vida.” Já eu, tenho a certeza de que sou o que minhas mães fizeram de mim.
FRANCISCO JARISMAR DE OLIVEIRA (Mazinho)
Licenciado em História pela UFPB
Servidor Público Federal do IFPB