Racismo, Dia Nacional da Consciência Negra, e horizontes da luta

“Ninguém nasce odiando outra pessoa pela cor de sua pele, por sua origem, ou por sua religião. Para odiar, as pessoas precisam aprender, e se pode aprender a odiar, podem ser ensinadas a amar.” (Nelson Mandela)
Giovanny de Sousa Lima

O Dia Nacional da Consciência Negra está presente até no arcabouço jurídico do Brasil, e já é celebrado, na atualidade, em mais de 1500 municípios brasileiros. Quiçá, os municípios do Alto Sertão Paraibano também, aderindo às normas federais e do Estado da Paraíba, possam incorporarem-se, plenamente, a tal manifestação. Inclusive, edificando políticas públicas, sistematizadas e democráticas, que incorporem plenamente a defesa, proteção e promoção dos direitos da população negra, sem sombra de dúvida, a mais vulnerável ainda da sociedade brasileira.

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Proceder desta forma é contribuir para o enfrentamento e combate a um dos fenômenos mais nefastos, perversos e desumanizadores, representado pela produção e manifestação de preconceitos, discriminações e exclusões que infelicitam a existência da citada população, praticamente em todo o território nacional.

Para uma compreensão mais apurada e transparente dos elementos contidos neste modesto artigo, julga-se pertinente a apresentação de relevantes e básicos conceitos relativos à população negra, presentes na cartilha “São Paulo contra o racismo: aspectos legais e ações afirmativas”, entre os quais podem ser destacados:

RAÇA: Populações que diferem significativamente nas frequências de seus genes. Constitui o contexto biológico.

ETNIA: Classificação de indivíduo, em termos grupais, que compartilham de uma única herança social e cultural (costumes, idioma, religião) transmitida de geração em geração.

PRECONCEITO RACIAL: Criado pela interação entre dois grupos, sendo uma classe política e economicamente dominante que assume uma concepção de mundo considerada superior à classe compreendida como inferior. Apresenta caráter genérico.

DISCRIMINAÇÃO RACIAL OU ÉTNICO-RACIAL: Toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada.

DISCRIMINAÇÃO DE COR: Manifestação comportamental do preconceito racial, como um julgamento de valor, não espontâneo nem hereditário, construído culturalmente e destituído de base objetiva, pertencendo à classe dos mitos desenvolvidos.

DESIGUALDADE RACIAL: Toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica.

DESIGUALDADE DE GÊNERO E RAÇA: Assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais.

POPULAÇÃO NEGRA: O conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) ou que adotam autodefinição análoga.

RACISMO: Afirmação de superioridade de uma raça sobre a outra.

RACISMO INSTITUCIONAL: Essa concepção vai além do comportamento individual, expandindo para instituições que, ainda indiretamente, promovem desvantagens e privilégios com base na raça. É possível perceber a manifestação por este ângulo

quando as pesquisas dentro dos órgãos públicos e das empresas privadas mostram que os cargos de poder das instituições são geralmente ocupados por pessoas brancas, e em sua maioria homens.

RACISMO ESTRUTURAL: Por essa concepção, o racismo decorre da estrutura social; pressupõe, portanto, dominação e relações de poder. Assim, racismo estrutural é o sistema de opressão normalizado que nega direitos e decorre dos processos

histórico e político. É também o caso do uso de expressões, falas e hábitos que promovem o racismo em nosso cotidiano.

POLÍTICAS PÚBLICAS: Ações, iniciativas e programas adotados pelo Estado no cumprimento de suas atribuições institucionais.

AÇÕES AFIRMATIVAS: Programas e medidas especiais adotados pelo Estado e pela iniciativa privada para a correção das desigualdades raciais e para a promoção da igualdade de oportunidades.(SÃO PAULO, 2022, p. 09-10).

Tais formulações são, não apenas importantes, como imprescindíveis, inclusive para se fazerem presentes em processos de planejamentos pedagógicos, práticas docentes, formações continuadas de professores, na pauta dos movimentos sociais, enfim, em todos os lugares que se façam necessários para o enfrentamento e combate ao racismo e para emancipação material e intelectual, possível e fundamental da população negra no contexto da Nação Brasileira.

O trabalho com as categorias acima se faz realmente necessário, ainda, para elaboração de eficientes e eficazes políticas públicas, aperfeiçoamento das ações afirmativas em todo o País, como materializou o Governo Federal na semana passada, com a nova Lei de Cotas (Lei Federal 14.723/23), que amplia vagas nas universidades públicas; com o fortalecimento e inovação do arcabouço jurídico nacional; ampliação do patrimônio educacional e político, de significativa parcela da população negra brasileira; e melhoria da organização e luta dos movimentos sociais.

Tal processo de consciência de si mesmo é essencial para todos os negros e negras integrantes da civilização brasileira, pois é somente a partir de tal conquista que podem ser gerados os necessários desdobramentos para o exercício pleno da cidadania de tais setores, hojeaindabastante ultrajados pelas situações e condições de trabalho, de moradia, de transporte, de acesso precário à saúde, ao lazer e à cultura, que vivenciam cotidianamente. Tais “camisas de força”, impostas pelas classes dominantes à população negra brasileira é muito grave e se constitui em verdadeiros atentados ao Estado Democrático de Direito e a própria democracia. Enquanto predominar no cotidiano da vida nacional as produções e manifestações de racismo, não haverá verdadeira democracia neste país. Considera-se válido, portanto, de modo objetivo, elucidar um pouco a origem e importância do Dia Nacional da Consciência Negra, a saber:

No dia 10 de novembro de 2011, foi instituído no Brasil, com o advento da Lei 12.519, o “Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra”, que resultou de um caminhar histórico iniciado no Brasil, em 20 de novembro de 1695, marcado pela morte de Zumbi dos Palmares, retomada pelo Grupo Palmares, em 1971, que se manifestou contra o preconceito racial no Clube Social Negro “Marcílio Dias”, em Porto Alegre. Posteriormente, no ano de 1978, o Movimento Negro Unificadocontra a Discriminação Racial (MNUCRD) apresentou a referida data como “Dia Nacional da Consciência Negra”, com várias manifestações defendendo pautas importantes para a Comunidade Negra. A concepção “Consciência Negra” advém da experiência de luta do ativista negro sul-africano Steve Biko, que suscitou o Movimento da Consciência Negra propagando a ideia da beleza negra, a união de forças para efetivar a liberdade dos negros, que resultariam no pensamento “não podemos ter consciência do que somos e ao mesmo tempo permanecermos em cativeiro”. Importante destacar então que não cabe a expressão “consciência branca” ou “consciência humana”, considerando a compreensão correta do termo e sua função histórica.(SÃO PAULO, 2022, p. 15).

É preciso que tal data possa ser celebrada sem a negligência, o mascaramento e a negação de que milhões de pessoas negras foram objetos durante 300 anos de História da Brasil, em um infeliz e brutal processo de escravização. Uma violência e violação de direitos, tanto individual quanto coletivo, descomunal, que se insere no contexto das maiores atrocidades praticadas contra parte da humanidade, oriunda da África e trazida à força para o Brasil, sem nenhuma chance de defesa ou proteção.

Tal consciência necessita ser consubstanciada pela clareza da contribuição histórica e extraordinária dos negros e negras em todos os ciclos econômicos deste país, bem como todo o legado de uma herança cultural derivada da Mãe África e de seus afrodescendentes. Necessário ainda se faz a conquista da compreensão, da grandeza, heroísmo, bravura, do mártir da negritude: Zumbi dos Palmares, e da extrema e atual necessidade de enfrentamento cada vez maior, mais amplo e poderoso, do racismo no Brasil.

Considera-se bastante pertinente, atual e correlato às temáticas inerentes a este artigo, o belo, pedagógico e jornalístico editorial gerado pelo Jornal A União, de 20 de novembro de 2020, intitulado “Inserção altiva”, assim expresso:

Supremacia branca é um conceito néscio em um país com as características do Brasil. Para os racistas atingirem a superioridade que almejam, ou seja, o domínio político, social, religioso e cultural completo, eliminando as marcas da afrodescendência no corpo e na alma (individuais e coletivos) do país, seria preciso retroceder mais de cinco séculos e reinventar a nação. O elemento afrodescendente é constituinte, portanto, imprescritível do processo de formação da sociedade brasileira, em todos os sentidos. Se não é possível, para a horda de supremacistas, reverter a rota das primeiras caravelas e dos navios negreiros que seguiram seus rastros de espuma, a alternativa seria transfundir o sangue, injetando plasmas nórdicos, talvez. O que deveriam comer e beber, cantar e dançar, falar e rezar os legionários da supremacia tupiniquim, aliás, brasileira? Sim, por que a história etnicamente “limpa” que almejam construir não poderia conter, também, a influência cultural dos povos indígenas. Se a miscigenação é indissociável, teriam que transplantar estruturas físicas e espirituais de outras terras. Essa raça insólita, apartada da história original, da forma trágica como se despegam irmãos siameses, seria constituída por “frankensteins”, isto é, criaturas deformadas, saídas dos laboratórios da intolerância; da suprema ignorância de, enquanto seres humanos, se considerarem melhores que seus semelhantes pela estúpida comparação das cores da pele. É preciso um trabalho árduo e permanente dos poderes públicos, da sociedade civil e dos movimentos sociais, no sentido de evitar que ideias estapafúrdias, como a da supremacia branca(expressão que a palavra racismo traduz à perfeição), continuem prosperando no país, inclusive recebendo adesões entre as camadas mais pobres, que também são discriminadas. O que pede engajamento urgente é a reflexão acerca da inserção altiva de afrodescendentes na sociedade brasileira, primeiro passo da jornada iniciática rumo à plenitude democrática. Enquanto cidadãos e cidadãs brasileiros forem vítimas de preconceitos apenas por serem negros, o Brasil continuará distante da justiça social, condição, sob todos os aspectos, deplorável. (A UNIÃO, 20/11/2020, p. 02).

O presente editorial constitui-se como relevante atributo jornalístico, de compromisso e responsabilidade, com a luta contra o racismo. Denuncia a execrável concepção de supremacia branca, advogada por culturalmente deformados setores da sociedade brasileira, que assim procedendo almejam continuar exercendo hegemonia plena sobre a população negra, comumente objeto de violência e violação dos seus direitos. Tal editorial tem ainda o mérito de conclamar, de forma esclarecedora, os poderes públicos, a sociedade civil e os movimentos sociais, a se contraporem de forma articulada à noção de “supremacia racial”, bem como explicitar, de natureza propositiva, o desenvolvimento de amplas reflexões acerca da inserção altiva de afrodescendentes na sociedade brasileira. Grande e atual desafio, a ser abraçado por todos que são contrários às desigualdades sociais, desigualdades raciais, injustiças sociais, exclusões e racismo, nas suas distintas manifestações.

Algumas propostas de ações municipais para promoção da igualdade racial: o que é possível ser feito?

Há não apenas necessidades reais a serem equacionadas, como imensas, longas e duradouras dívidas, principalmente dos poderes Executivo e Legislativo municipais, no que concerne aos direitos econômicos, culturais, sociais, políticos, da população negra, acima de tudo no contexto do Estado da Paraíba. Muito embora, é verdade, que aqui, felizmente, foi sistematizado o Plano Estadual de Promoção de Igualdade Racial da Paraíba, construído pela comissão de trabalho para elaboração deste Plano, de 2020 a 2023, constituído, até a presente data, em “letra morta”, em vários municípios, acima de tudo, situados no Sertão e Alto Sertão Paraibano. Se faz necessário, portanto, que os movimentos sociais exerçam a devida pressão sobre os poderes citados, para que tal plano seja viabilizado na sua plenitude. Chega de omissão, racismo, exclusões e impunidade!

Já no âmbito do Estado do Paraná, foram apresentadas propostas de ações municipais para promoção da igualdade racial que julgamos muito pertinentes, interessantes e com reais possibilidades de operacionalização, as quais resultaram da atividade em grupo no Seminário SINAPIR e Gestão Pública na Promoção da Igualdade Racial, a saber:

Provocar a gestão no sentido de mobilizar o Poder Público e a população em geral para criação do Conselho de Promoção da Igualdade Racial; Garantir as políticas básicas de atendimento e garantia dos direitos da população quilombola; promover o acesso de crianças e adolescentes aos direitos constitucionais (saúde, educação e assistência social);trabalhar a inclusão social das comunidades indígenas, quilombolas e ribeirinhas; provocar o Ministério Público no sentido de exigir do Poder Público que seja instituído os Conselhos Municipais de Defesa dos Direitos Fundamentais; promover o controle social nos serviços públicos (assistência e saúde); divulgar os documentos e as leis relacionados à igualdade racial que envolve a política da saúde e da assistência social (fomentando); melhoria da qualidade dos sistemas de informação do SUS e do SUAS no que tange à coleta, ao processamento e à análise dos dados desagregados por cor, etnia e gênero; fomentar a realização de estudos, pesquisas e diagnósticos sociais sobre racismo e saúde da população negra no seu município; criar Fórum permanente de educação e cultura em cidades de menor porte; promover formação continuada de todos(as) servidores(as) do serviço público; elaborar plano municipal de promoção da igualdade racial e convencimento técnico dagestão municipal para garantia de aporte financeiro; mapear casas de religiões de matriz africana, assegurando a isenção tributária e o diálogo para conhecimento da realidade e demandas; promover e fortalecer as expressões culturais da população negra, indígena e de comunidades tradicionais, promovendo exposições, feiras, dentre outras iniciativas; criar nos municípios curso de capacitação que abarque a violência contra a mulher, o genocídio da juventude negra, a liberdade de crença e de culto e a forma de atendimento da população LGBT nos serviços, que contemple a transversalidade das diferentes políticas públicas; pesquisar nos municípios do Estado para levantamento do local da ocorrência doshomicídios da juventude negra; fortalecer o enfrentamento ao racismo institucional no setor público municipal; criação e fortalecimento da rede de atenção a casos de violência e discriminação da população negra, povos indígenas e comunidades tradicionais, com a realização de capacitações para atendimento; promover eventos culturais para resgate da autoestima de LGBT, mulheres e juventude negra, inserindo maquiagem étnica para resgate da ancestralidade, bem como paraintegração entre as diferentes culturas; promover encontros religiosos, visando a relação pacífica entre as diferentes religiões e a explanação das religiões de matriz africana; Criação de Conselho e Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial;promover mecanismos de acesso a financiamento público especial para aquisição,construção, reforma e regularização de moradia; adequar o pavimento habitacional, infraestrutura urbana e função habitacional; promover ações a fim de garantir ao pequeno agricultor o escoamento de sua produção agrícola; promover a formação dos pequenos agricultores por meio de cursos técnicos; incluir nas grades curriculares da formação da Guarda Municipal abordagem transdisciplinar acerca das relações raciais, racismo, violência contra a juventude negra eliberdade religiosa e de gênero, bem como matéria específica sobre a Lei 7.716/89 e Estatuto da Igualdade Racial;promover mecanismos de acesso a financiamento, orientação, educação ambiental e de sustentabilidade; Desenvolver políticas públicas especiais para o desenvolvimento sustentável da produção agrícola nas comunidades dos quilombos; Criação de Delegacias para atendimento dos casos de violação de direitos da população negra e das mulheres; elaborar o Plano Municipal de Promoção da Igualdade Racial; aderir ao SINAPIR – Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial; Criar Ouvidoria Municipal de Direitos Humanos, com recorte no racismo; Criar ações afirmativas de promoção da igualdade racial e enfrentamento à violência; promover o debate acerca do racismo institucional no sistema de justiça; desenvolver programa anual de capacitação sobre a política de promoção da igualdade racial aos(às) funcionários(as) das agências do trabalhador e Secretaria do Trabalho; proporcionar a construção dos conhecimentos que permitam ao(à) servidor(a) qualificar-se acerca do mundo do trabalho, com foco na juventude negra; fomentar o debate da política estadual de promoção da igualdade racial nas Conferências do Trabalho; criar cotas para pessoas negras nos concursos públicos municipais, como existe para pessoas com deficiência, e incentivar a contratação nas empresas privadas com a emissão de selo da igualdade racial. (PARANÁ, 2018, p. 04-08).

Analisando tais proposições, percebe-se que seus conteúdos são compostos de princípios, fundamentos, paradigmas, norteadores das necessidades, expectativas, interesses, reivindicações, e lutas da população negra. Inconcebível, portanto, é a manutenção do negligenciamento, verdadeiro descaso de dezenas de gestores públicos municipais, principalmente em relação a todas as diretrizes, normatizações, recomendações, instrumento de monitoramento para execução do I PlanePIR; enfrentamento ao racismo estrutural múltiplo e agravado; políticas de ação afirmativa e equidade racial;Sistema Estadual de Promoção da Igualdade Racial (SIEPIR-PB); participação política e controle social; meio ambiente, desenvolvimento sustentável e qualidade de vida; contidos de forma sistematiza e transparente no Plano Estadual de Promoção de Igualdade Racial da Paraíba. O que falta, na verdade, a inúmeros gestores municipais de nosso estado, é vontade e decisão política para o que, magistralmente, corporifica tal plano, seja efetivado.

A população negra não precisa de esmolas públicas! Nem está reivindicando isso. O que precisa, na verdade, é de oportunidades justas, evolutivas, verdadeiras, possibilitadoras da evolução do seu patrimônio material e intelectual. O que ela precisa, necessariamente, e de forma urgente é que seus direitos, na totalidade, sejam respeitados por todos os poderes da República Federativa do Brasil. Portanto, também pelo Poder Executivo e Legislativo municipal. Se há critérios para que o município seja simbolicamente considerado uma cidade antirracista, por que não organizar e mobilizar a máquina pública municipal para construir tal status para a cidade? É necessário que o município possua uma tripla estrutura política:

O Município será simbolicamente considerado uma Cidade Antirracista, com esse título, se possuir uma tripla estrutura política: 1. Conselho Municipal de Igualdade Racial, para o devido controle social das políticas públicas. 2. Plano Municipal de Igualdade Racial, com metas e prazos de forma a que todas as secretarias possam eleger políticas com a perspectiva do enfrentamento ao racismo (saúde, educação, segurança pública, meio ambiente, cultura, esporte, lazer, recursos humanos e outras). 3. Coordenadoria ou Secretaria especializada que cuide da temática da igualdade étnico-racial, para onde denúncias possam ser direcionadas e que funcione como polo articulador de diálogos e das ações expostas no Plano Municipal. (MPSP, 2022, p. 04).

Sem a adoção a materialização de tais procedimentos, o Poder Executivo Municipal estará realizando apenas populismo, assistencialismo, fisiologismo, e demagogia política mesmo, junto às camadas mais proletarizadas da população brasileira. Isso é injustificável e inconcebível! Como esconder que a cada 23 minutos um jovem negro é assassinado no Brasil? Como mascarar que a imensa maioria da população negra brasileira reside em favelas, vilas, palafitas e áreas inóspitas do território nacional? Como sonegar que inúmeras escolas produzem e reproduzem preconceitos e discriminações contra membros de sua comunidade escolar? Como esconder a explosão de dezenas de fatos lamentáveis, discriminatórios, envolvendo negros e negras em supermercados, shoppings, boates, áreas de lazer diversas deste país? Isso não pode continuar acontecendo sob hipótese alguma! Principalmente, se levarmos também em consideração a legislação nacional, a saber:

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Decreto nº 4.885, 20 de novembro de 2003. Dispõe sobre a composição, estruturação, competências e funcionamento do Conselho Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CNPIR, e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2008]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4885.htm.Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Decreto nº 4.886, 20 de novembro de 2003. Institui a Política Nacional de Promoção da Igualdade Racial – PNPIR e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2003]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4886.htm. Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Decreto nº 4.887, 20 de novembro de 2003. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o Art. 68 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias. Brasília, DF: Presidência da República, [2003].

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2003/d4887.htm.  Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Decreto nº 6.040, 7 de fevereiro de 2007. Institui a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais. Brasília, DF: Presidência da República, [2007]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2007/decreto/d6040.htm. Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Decreto nº 7.824, 11 de outubro de 2012. Regulamenta a Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012, que dispõe sobre o ingresso nas Universidades Federais e nas Instituições Federais de Ensino técnico de nível médio. Brasília, DF: Presidência da República, [2017]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/decreto/d7824.htm. Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Decreto nº 8.136, 5 de novembro de 2013. Aprova o regulamento do Sistema Nacional de Promoção da Igualdade Racial– SINAPIR, instituído pela Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Brasília, DF: Presidência da República, [2013]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2013/Decreto/D8136.htm.Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Decreto nº 10.932, 10 de janeiro de 2022. Promulga a Convenção Interamericana contra o Racismo, a Discriminação Racial e Formas Correlatas de Intolerância, firmado pela República Federativa do Brasil, na Guatemala, em 5 de junho de 2013. Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2022/decreto/D10932.htm. Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Decreto nº 65.810, 8 de dezembro de 1969. Promulga a Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial. Brasília, DF: Presidência da República, [1969]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/1950-1969/D65810.html. Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848.htm. Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Decreto-Lei nº 3.689, 3 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del3689.htm. Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989. Define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor. Brasília, DF: Presidência da República, [2012]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l7716.htm. Acesso em: 17 nov. 2022.

BRASIL. Lei nº 9.394, 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da Educação Nacional. Brasília, DF: Presidência da República, [2022]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em: 18 nov. 2022.

BRASIL. Lei nº 12.288, de 20 de julho de 2010. Institui o Estatuto da Igualdade Racial; altera as Leis nºs 7.716, de 5 de janeiro de 1989, 9.029, de 13 de abril de 1995, 7.347, de 24 de julho de 1985, e 10.778, de 24 de novembro de 2003. Brasília, DF: Presidência da República, [2010]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2010/lei/l12288.htm.Acesso em: 17 nov. 2022.

BRASIL. Lei nº 12.519, de 10 de novembro de 2011. Institui o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra. Brasília, DF: Presidência da República, [2011]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12519.htm. Acesso em: 21 nov. 2022.

BRASIL. Lei nº 12.711, de 29 de agosto de 2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, [2016]. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2012/lei/l12711.htm. Acesso em: 17 nov. 2022.

BRASIL. Lei nº 12.990, de 9 de junho de 2014. Reserva aos negros 20% (vinte por cento) das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e empregos públicos no âmbito da administração pública federal, das autarquias, das fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista controladaspela união. Brasília, DF: Presidência da República, [2014]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l12990.htm. Acesso em: 17 nov. 2022. (STF, 2022, p. 17-20)

Esse arcabouço jurídico é derivado de múltiplos esforços, contribuições, dos mais diversos segmentos da sociedade civil brasileira – cientistas, pensadores jurídicos, representações de movimentos sociais, educadores e pesquisadores de várias áreas, entre outros – e revela-se de grande importância, validade e utilidade para toda Nação Brasileira, especialmente para a população negra, que necessita, em nosso entendimento, se apropriar, cada vez mais, de tais conhecimentos e saberes, objetivando a luta pela conquista dos seus direitos. Tais pressupostos jurídicos deixam claro para qualquer pessoa de bom senso quantas lutas terão ainda de ser travadas para os seus cumprimentos e operacionalizações concretas, em vários recantos do território nacional.

Objetivando ilustrar de forma mais clara aspectos relativos ao racismo no Brasil e o Dia da Consciência Negra, julgo coerente indicar aos leitores interessados os quatro manifestos abaixo, visando também, não apenas anunciar as problemáticas que os envolvem, mas fortalecer as denúncias aqui elencadas. O primeiro, gerado pela pesquisadora Suzana Tavares (https://x.gd/82ggs); o segundo, denominado “Vidas negras importam II”, sistematizado pela direção da Faculdade de Educação de Campinas-SP (https://x.gd/y0Kgm); o terceiro, chamado “Manifesto por uma Educação Antirracista” (https://x.gd/7bNMW); e o quarto, que julgo imprescindível para uma compreensão adequada do papel extraordinário exercido pelo Movimento Negro Brasileiro, historicamente (https://x.gd/iiN9O).

Se faz ainda necessário, mesmo que simbolicamente, enfatizar no contexto deste artigo a feliz, oportuna e inadiável concepção político-pedagógica produzida pela educadora-pesquisadora Bárbara Carine, no seu fecundo trabalho chamado “Como ser um educador antirracista”, assim evidenciado:

O educador, a educadora antirracista é, acima de tudo, uma pessoa consciente de si dentro dos sistemas de opressão que estruturam a nossa sociedade. Ele/ela é aquele sujeito que, em uma sociedade estruturalmente racista, compreende que não há como fugir psicologicamente desse mal social se não destruirmos o racismo em suas bases. (…) A escola é o espaço de formação humana por excelência; ela é um complexo social fundamental na nossa constituição, tanto no âmbito social,pensando na coletividade, quanto no aspecto individual, a partir da nossa construção subjetiva. A escola é um complexo social fundamental no processo de transformação da realidade social; ela é influenciada pelo sistema, ao passo que, em contrapartida, também o influencia, uma vez que forma as pessoas que vão ocupar e ajudar a construir todas as demais instâncias sociais. Nesse sentido, a escola precisa ser uma forte aliada no enfrentamento das opressões estruturais, fundamentalmente o racismo. (PINHEIRO, 2023, p. 103-104).

Tais paradigmas sinalizam, corretamente, o papel ou atribuições preponderantes, decisivas, intransferíveis, e inalienáveis, que necessariamente devem ser exercidas, cotidianamente, pelo educador antirracista. Por sua vez, a educadora-pesquisadora também tem o mérito de nesta síntese acima explicitar a real função da escola, sua importância, essencialidade, e fundamental autonomia em produzir e materializar, concretamente, situações e condições que favoreçam os reais processos de dignidade da pessoa humana e de sua emancipação, obviamente, frente às estruturas de opressão, exploração e exclusão.

Espero que este modesto artigo possa suscitar, não apenas reflexões, mas também debates entre seus leitores. Abraço fraterno a todos e todas!

Referências

A UNIÃO. Editorial: Inserção altiva. João Pessoa: Empresa Paraibana de Comunicação S.A, 20 de novembro de 2020. p. 02. Disponível em: https://x.gd/tHW1E. Acesso em: 19 de novembro de 2023.

BRASIL. Supremo Tribunal Federal (STF). Consciência negra [recurso eletrônico]: bibliografia, legislação e jurisprudência temática. Brasília: STF, Secretaria de Altos Estudos, Pesquisas e Gestão da Informação, 2022. p. 17-20. Disponível em: https://x.gd/JJdhy. Acesso em: 19 de novembro de 2023.

GOVERNO DO ESTADO DE SÃO PAULO. São Paulo contra o racismo: aspectos legais e ações afirmativas. p. 09-15. Disponível em: https://x.gd/q1NTq. Acesso em: 19 de novembro de 2023.

GOVERNO DO ESTADO DO PARANÁ. Relatório: Propostas de ações municipais para promoção da igualdade racial. Curitiba, [s.n.], 2018.p. 04-08. Disponível em: https://x.gd/0yljf. Acesso em: 19 de novembro de 2023.

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (MPSP). Cartilha para execução do Projeto Cidades Antirracistas. p. 04. Disponível em: https://x.gd/2D9rF. Acesso em: 19 de novembro de 2023.

PINHEIRO, Bárbara Carine Soares. Como ser um educador antirracista [livro eletrônico]. São Paulo: Planeta do Brasil, 2023. p. 103-104. Disponível em: https://x.gd/qFmdF. Acesso em: 19 de novembro de 2023.

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Giovanny de Sousa Lima — Mestre em Educação pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB); especialista em Educação em Direitos Humanos e para os Direitos Humanos, também pela UFPB; psicólogo educacional; pedagogo; professor do Ensino Médio e do Ensino Superior em instituições da rede privada de João Pessoa, nas últimas três décadas; e ex-professor da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB).Também é escritor e radialista.