Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério
Diálogo básico com o pensamento pedagógico e educativo de Maurice Tardif e Danielle Raymond
Giovanny S. Lima
O que é práxis social
Tal como Marx já havia enunciado, toda práxis social é, de uma certa maneira, um trabalho cujo processo de realização desencadeia uma transformação real do trabalhador. Trabalhar não é exclusivamente transformar um objeto ou situação em uma outra coisa, é também transformar a si mesmo em e pelo trabalho (Dubar 1992, 1994). Em termos sociológicos, pode-se dizer que o trabalho modifica a identidade do trabalhador,pois trabalhar não é somente fazer alguma coisa, mas fazer alguma coisa de si mesmo, consigo mesmo. (TARDIF & RAYMOND, 2000; p.209-210).
Conforme minha percepção, a práxis social é profundamente resultante da acumulação histórico social, educacional, cultural, política, estética e ética, materializada pelo indivíduo em situações e condições concretas. Tal processo deriva ainda das vivências e experiências desenvolvidas pelo indivíduo, em suas relações com outros indivíduos. A práxis social pressupõe inter-relações, interações, socialização de conhecimentos e saberes, edificação de atividades grupais que possam contribuir para a defesa, proteção e promoção da vida. A práxis social deve, portanto, estar comprometida responsavelmente com a construção do bem estar social, do bem comum, das condições concretas para a defesa, proteção e promoção dos direitos humanos.
Objetivando assegurar o fortalecimento da resposta a questão anteriormente proposta, considero relevante destacar algumas correlações entre práxis e educação, conforme NORONHA (2005):
A necessidade da mediação da educação para potencializar a construção de conhecimentos socialmente significativos no âmbito da práxis retoma o papel da escola como o lócus fundamental de articulação entre teoria e prática. Articulação esta que não pode ser pulverizada na sociedade em geral realizado pelas experiências fragmentadas subordinadas à lógica produtivista da atual forma histórica do capitalismo que reduz a educação à formação de competências e adaptações exigidas pelo mercado. Retoma também a formação do professor tanto do ponto de vista teórico e epistemológico quanto dos processos de trabalho de ensino e aprendizagem para que este possa trabalhar e realizar com os alunos de modo permanente e profundo as articulações entre a práxis fragmentária do senso comum e uma práxis orgânica onde se fundem os conhecimentos elaborados de modo a garantir a construção de um saber unitário como síntese dos conhecimentos particulares e universais. (NORONHA, 2005).
“O tempo de aprendizagem do trabalho confunde-se muitas vezes com o tempo da vida”
[…] o tempo de aprendizagem do trabalho confunde-se muitas vezes com o tempo da vida: o trabalho é aprendido pela imersão no ambiente familiar e social, no contato direto e cotidiano com as tarefas dos adultos, para cuja realização as crianças e os jovens são formados pouco a pouco, muitas vezes por imitação, repetição e experiência direta do lebenwelt do labor (Jorion e Delbos 1990). Em várias outras ocupações – e é o caso do magistério –, a aprendizagem do trabalho passa por uma escolarização mais ou menos longa cuja função é fornecer aos futuros trabalhadores conhecimentos teóricos e técnicos preparatórios para o trabalho.(TARDIF & RAYMOND, 2000; p.210).
Em meu entendimento, o processo de aprendizagem do trabalho naturalmente produz inúmeras necessidades, dificuldades, problemas, desafios, demandas pluralistas, circunscritos a ciclo ou etapa diferentes. Neste transcurso, principalmente o trabalhador da educação, necessariamente, precisa estabelecer conquista de saberes e conhecimentos sistematizados, competências, aptidões e habilidades, no plano educacional e pedagógico, atentando, obviamente, para no cotidiano refletir sobre a sua própria prática, acima de tudo quando esta se materializa em uma ou mais instituição escolar. Há uma relativa compatibilidade entre o tempo de aprendizagem do trabalho e o tempo da vida do trabalhador da educação, por este especialmente necessitar de contínuas aprendizagens, formação continuada, evoluções técnicas, culturais e científicas para um maior e melhor desempenho do seu exercício profissional. Faz-se ainda necessário compreendermos que realizamos nosso exercício profissional dentro do contexto de um sistema capitalista cujas características estão permeadas por inúmeras contradições e deformações, as quais não podem nem devem ser negligenciadas: concentração de renda e riquezas nas mãos de poucos; produção contínua de desigualdades; geração de graves processos de exclusões das minorias sociais; violação dos direitos humanos; amplas desigualdades regionais.
Os “saberes profissionais” dos professores
Os saberes profissionais dos professores parecem ser, portanto, plurais, compósitos, heterogêneos, pois trazem à tona, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e manifestações do saber-fazer e do saber-ser bastante diversificados, provenientes de fontes variadas, as quais podemos supor que sejam também de natureza diferente. Vários autores tentaram ordenar essa diversidade, propondo classificações ou tipologias relativas ao saber dos professores: Bourdoncle (1994), Doyle (1977), Gage (1978), Gauthieret al. (1998), Martin (1993, 1997), Mellouki e Tardif (1995), Paquay (1993), Raymond (1993), Raymond, Butt, Yamagishi (1993), Shulman (1986).(TARDIF & RAYMOND, 2000; p. 213).
Compreendendo que os saberes profissionais do professor são resultantes de um aglomerado de fatores: escolarização; formação continuada; estabelecimento de processos de atuação profissional diversificada, em espaços escolares e extraescolares. Implicamno resultado de sua atuação, principalmente no espaço escolar e da atuação que este espaço de trabalho incide sobre sua vida. Tal processo ocorre tanto no plano individual como coletivamente. Ou seja, o professor tanto é agente de influência no espaço escolar, quanto é objeto da influência deste sobre ele. É assim que vai construindo formas de atuar e se desenvolvendo profissionalmente. Isso implicando, obviamente, também na realização de contínuos estudos, pesquisas, aperfeiçoamentos profissionais e reflexões aprofundadas sobre suas relações contínuas com seus educandos, pais e colegas, no âmbito da instituição escolar. Na essência, os saberes profissionais do professor são resultantes do conjunto de conhecimentos teóricos e práticos conquistados ao longo do seu exercício profissional, bem como competências (habilidades, capacidades e atitudes) que estruturam a prática e asseguram uma boa atuação em suas atividades.
Visando aprofundar a problematização da questão colocada neste item e, acima de tudo, clarificar a possível e necessária resposta, considero relevante destacar as classificações dos saberes docentes produzidas por TARDIF (2004):
Quadro 1 – Classificação dos saberes docentes de acordo com Tardif (2004):
SABER | DEFINIÇÃO |
Saberes da Formação Profissional | Conjunto de saberes que, baseados nas ciências e na erudição, são transmitidos aos professores durante o processo de formaçãoinicial e/ou continuada. Também se constituem o conjunto dos saberes da formação profissional os conhecimentos pedagógicos relacionados às técnicas e métodos de ensino (saber-fazer), legitimados cientificamente e igualmente transmitidos aos professores ao longo do seu processo de formação. |
Saberes Disciplinares | São os saberes reconhecidos e identificados como pertencentes aos diferentes campos do conhecimento (linguagem, ciências exatas, ciências humanas, ciências biológicas, etc.). Esses saberes, produzidos e acumulados pela sociedade ao longo da história da humanidade, são administrados pela comunidade científica e o acesso a eles deve ser possibilitado por meio das instituições educacionais. |
Saberes Curriculares | São conhecimentos relacionados à forma como as instituições educacionais fazem a gestão dos conhecimentos socialmente produzidos e que devem ser transmitidos aos estudantes (saberes disciplinares). Apresentam-se, concretamente, sob a forma de programas escolares (objetivos, conteúdos, métodos) que os professores devem aprender e aplicar. |
Saberes Experienciais | São os saberes que resultam do próprio exercício da atividade profissional dos professores. Esses saberes são produzidos pelos docentes por meio da vivência de situações específicas relacionadas ao espaço da escola e às relações estabelecidas com alunos e colegas de profissão. Nesse sentido, “incorporam-se à experiência individual e coletiva sob a forma de habitus e de habilidades, de saber-fazer e de saber ser” (p. 38). |
Quadro 2 – Proposta de classificação dos saberes docentes considerando as especificidades de sua origem, aquisição e incorporação à prática profissional dos professores
SABERES DOS PROFESSORES | FONTES SOCIAIS DE AQUISIÇÃO | MODOS DE INTEGRAÇÃO NO TRABALHO DOCENTES
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Saberes pessoais dos professores | A família, o ambiente de vida, a educação no sentido lato, etc. | Pela história de vida e pela socialização primária
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Saberes provenientes da formação escolar anterior | A escola primária e secundária, os estudos pré-secundários não especializados, etc. | Pela formação e pela socialização pré-profissionais
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Saberes provenientes da formação profissional para o magistério | Os estabelecimentos de formação de professores, os estágios, os cursos de reciclagem, etc. | Pela formação e pela socialização profissionais nas instituições de formação de professores.
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Saberes provenientes dos programas e livros didáticosusados no trabalho | A utilização das “ferramentas” dos professores: programas,livros didáticos, cadernos de exercícios, fichas, etc. | Pela utilização das “ferramentas” de trabalho, sua adaptação àstarefas.
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Saberes provenientes de sua própria experiência na profissão, na sala de aula e na escola
| A prática do ofício na escola e na sala de aula, a experiência dos pares, etc. | Pela prática do trabalho e pela socialização profissional. |
(TARDIF, 2004, p.63)
É notório que os saberes dos professores são pluralistas, diversificados e resultam de inúmeros desafios, que necessariamente precisam ser superados durante o exercício profissional. Explicitamente, derivam da simbiose teoria-prática profissional para além do espaço escolar, onde também a educação materializa-se.
“Os saberes dos professores são temporais”
Concordo plenamente com os autores do texto quando afirmam:
Em segundo lugar, a trajetória profissional. Os saberes dos professores são temporais, pois são utilizados e se desenvolvem no âmbito de uma carreira, isto é, ao longo de um processo temporal de vida profissional de longa duração no qual intervêm dimensões identitárias, dimensões de socialização profissional e também fases e mudanças.(TARDIF & RAYMOND, 2000; p. 217).
De acordo com meu entendimento, os saberes dos professores são temporais devido a uma multiplicidade de fatores, entre os quais, destaco: modificações constantes fundamentais no campo científico e tecnológico; surgimento de novas descobertas e conquistas científicas, que exigem, obviamente, muita atenção, reflexão e atualização profissional; a dinâmica riquíssima e mutável do próprio processo ensino-aprendizagem, no qual o professor está inserido cotidianamente; as necessidades crescentes de aperfeiçoamento profissional; a quebra de paradigmas técnico-científicos. Tudo isso, somado a outros elementos teóricos e práticos inerentes à vida profissional do professor, faz com que os seus saberes, necessariamente, precisem ser temporais, pois ciência é movimento dialético, é dialética. E a própria ciência da Educação reclama, exige e nos desafia com sua multidimensional existência. Ao mesmo tempo em que o professor pode e deve refazer os conhecimentos atualmente existentes, também é produzido, moldado e transformado por estes.
“As fontes pré-profissionais do saber-ensinar”
“A socialização é um processo de formação do indivíduo que se estende por toda a história de vida e comporta rupturas e continuidades.Nesta seção, vamos tratar da socialização pré-profissional, que compreende as experiências familiares e escolares dos professores.
Em sociologia, não existe consenso em relação à natureza dos saberes adquiridos através da socialização. Schütz (1987) fala de “tipos” cognitivos que permitem incorporar as experiências cotidianas em um reservatório (stock) das categorias cognitivas e lingüísticas. Depois de Schütz, Berger e Luckman (1980), retomados mais tarde por Dubar (1991), falaram de saberes de base pré-reflexivos e pré-dados que funcionam como evidências e como uma reserva de categorias graças às quais a criança tipifica, ordena e objetiva seu mundo. Bourdieu (1980) os associa a esquemas interiorizados (habitus) que organizam as experiências sociais e permitem gerá-las. Os etnometodologistas (Coulon 1993) os comparam a regras pré-reflexivas que estruturam as interações cotidianas. Giddens (1987) designa-os pelo termo de “competência”, que estrutura a consciência prática dos atores sociais.
A ideia de base é que esses “saberes” (esquemas, regras, hábitos, procedimentos, tipos, categorias etc.) não são inatos, mas produzidos pela socialização, isto é, através do processo de imersão dos indivíduos nos diversos mundos socializados (famílias, grupos, amigos, escolas etc.), nos quais eles constroem, em interação com os outros, sua identidade pessoal e social.
Ao longo de sua história de vida pessoal e escolar, supõe-se que o futuro professor interioriza um certo número de conhecimentos, de competências, de crenças, de valores etc., os quais estruturam a sua personalidade e as suas relações com os outros (especialmente com os alunos) e são reatualizados e reutilizados, de maneira não reflexiva mas com grande convicção, na prática de seu ofício. Desse ponto de vista, os saberes experienciais do professor de profissão, longe de serem baseados unicamente no trabalho em sala de aula, decorreriam, em grande parte, de preconcepções do ensino e da aprendizagem herdadas da história escolar.”
A pesquisa de Lessard&Tardif (1996-1999)
Muito louváveis e felizes foram as análises dos autores do texto, acerca das pesquisas de Lessard e Tardif 1996, 1999; Raymond et al. 1993, ao abordarem:
Definitivamente, os resultados obtidos nessas duas pesquisas (Lessard e Tardif 1996, 1999; Raymond et al. 1993) sublinham a importância da história de vida dos professores, em particular a de sua socialização escolar, tanto no que diz respeito à escolha da carreira e ao estilo de ensino quanto no que se refere à relação afetiva e personalizada no trabalho. Eles mostram que o “saber-ensinar”, na medida em que exige conhecimentos de vida, saberes personalizados, competências que dependem da personalidade dos atores, de seu saber-fazer pessoal, tem suas origens na história de vida familiar e escolar dos professores de profissão. Mostram também quea relação com a escola já se encontra firmemente estruturada no professor iniciante e que as etapas ulteriores de sua socialização profissional não se dão em um terreno neutro. Indicam, finalmente, que o tempo de aprendizagem do trabalho não se limita à duração da vida profissional, mas cobre também a existência pessoal dos professores, os quais, de um certo modo, aprenderam seu ofício antes de iniciá-lo. (TARDIF & RAYMOND, 2000; p. 223-224).
As pesquisas evidenciadas, embora sejam fidedignas e de notória relevância, não conseguem por si só, ou seja, por sua expressão e conteúdo, “dar conta” da imensa complexidade, compromisso, responsabilidade e demandas sempre renovadas do sentir-pensar-fazer-profissional do professor. Interessantes, todavia, são os elementos subjetivos que corporificam a opção pelo ensinar, o tempo de aprendizagem do trabalho e pelo saber-ensinar, apontada pelos pensadores Lessard e Tardif.
Descreva com suas palavras por que no professor contratado a “dimensão identitária” é menos forte
Se levarmos em consideração as contradições inerentes à estrutura educacional brasileira vigente, perceberemos claramente que a “dimensão identitária” do professor contratado é menos forte porque, geralmente, este tipificado profissional defronta-se no seu cotidiano com instituições educacionais conservadoras, caracterizadas por concepções teóricas e práticas educacionais descompromissadas com as transformações que são essenciais para a sociedade brasileira.
São objetos no seu exercício profissional, quase sempre de: baixos salários; jornada de trabalho excessiva; normas, regras e regulamentos rígidos; ampla burocratização da instituição escolar; ausência de projeto político-pedagógico sistemático, democrático, fecundo; impossibilidades amplas de associação entre teoria e prática; falta de interação entre a instituição escolar-comunidade; falta de interação entre os colegas que exercem o magistério; filosofia educacional precipuamente voltada para os interesses do mercado; descompromisso da maioria dos atores que atuam na instituição escolar com as grandes transformações que se fazem necessárias na sociedade atual; dificuldades imensas de ascensão profissional no ambiente de trabalho.
Tudo isso, quando efetivamente somado, afronta e compromete as várias dimensões pertinentes ao exercício profissional do professor: a técnica científica; a humana-interacional; a política, a ética; a formação continuada; a estética e cultura; a reflexão sobre a própria prática profissional; entre outros elementos. É bom lembrarmos que o professor é partícipe da sua construção identitária, bem como da construção da identidade daescolanaqual está inserido. Atua e influencia, de forma multidimensional, o cotidiano de tais espaços e por eles também é influenciado, de algum modo. Importante ainda é destacar que a chamada “dimensão identitária” do professor contratado é corporificada por elementos tanto subjetivos quanto objetivos; tanto positivos quanto negativos. As dificuldades, problemas e necessidades devem converter-se em instrumentos de permanente reflexão, lúcida, democrática e libertária, para que tal identidade possa ser construída e ser colocada a serviço dos outros, de modo equilibrado, justo, solidário, fraterno e transformador. É essencial que o exercício profissional do professor realmente confira sentido à vida, não apenas de seus educandos, pais e colegas, mas à sua própria. Assim, tecerá melhor os fios de sua identidade profissional. Não há fórmulas mágicas, infalíveis e padronizadas para tão rico processo.
O que Giddens (1987) quer dizer sobre “rotinização”
Uma inquietação ao propor o estudo das práticas é revelar o quanto os atores individualmente são responsáveis pela perpetuação ou mudança das mesmas. Para tal, alguns conceitos são necessários frente a difícil tarefa de “elucidação dos processos concretos da vida social” (GIDDENS, 1984). Propomos que a Teoria da Estruturação (GIDDENS, 1984) apresenta elementos que trazem novas possibilidades para elucidar essas questões. Um conceito fundamental da Teoria da Estruturação, e que identificamos como primordial para explicar as práticas nos serviços por embasar as ações humanas, é o de rotinização.
A rotina (tudo que é feito habitualmente) constitui um elemento básico da atividade social cotidiana […]. A natureza repetitiva de atividades empreendidas de maneira idêntica dia após dia é a base material do que eu chamo de “caráter recursivo” da vida social. […] A rotinização é vital para os mecanismos psicológicos por meio dos quais um senso de confiança ou segurança ontológica é sustentado nas atividades cotidianas da vida social. Contida primordialmente na consciência prática, a rotina introduz uma cunha entre o conteúdo potencialmente explosivo do inconsciente e a monitoração reflexiva da ação que os agentes exigem (GIDDENS, 1984, p. XXV).
Para entender a monitoração reflexiva da ação, o autor defende que o trabalho empírico deve reconhecer aspectos que estão além do que é traduzido discursivamente. Tratam-se dos componentes não discursivos da consciência, a consciência prática, que permite acesso à cognoscitividade dos agentes. (DE MATTOS & O’DWYER, 2010; p.614).
A “rotinização” se instala no exercício profissional do professor, ora de maneira consciente, como inconscientemente, principalmente quando este abdicado necessário exercício de pensar cotidianamente sua própria prática profissional. Creio também ainda que a “rotinização” decorre da estrutura organizacional e funcional, técnico-burocrática, normativ, de inúmeras instituições escolares, que terminam– de alguma forma – “apriosionando” o sentir-pensar-fazer do professor. As contradições políticas, públicas, antidemocráticas produzidas pelo Estado “Nacional” e Governo Federal agudizam tal problemática. Os autores do texto foram bastante pertinentes ao destacarem elementos das análises efetivadas por Giddens (1987):
Em relação a esses diferentes elementos de análise, Giddens (1987) propõe um conceito interessante, o de rotinização, que nos parece pertinente para associar saberes, tempo e trabalho entre si.A ideia geral dessas pesquisas é que as rotinas são meios de gerir a complexidade das situações de interação e diminuir o investimento cognitivo do professor no controle dos acontecimentos.Enquanto fenômeno de base que fundamenta a vida social, a rotinização significa que os atores agem através do tempo, fazendo de suas próprias atividades recursos para reproduzir (e às vezes modificar) essas mesmas atividades. No nosso caso, ela demonstra a forte dimensão sociotemporal do ensino, na medida em que as rotinas tornam-se parte integrante da atividade profissional, constituindo, desse modo, “maneiras de ser” do professor, seu“estilo”, sua “personalidade profissional”. Porém, a menos que o ator se torne um autômato, a rotinização de uma atividade, isto é, sua estabilização e sua regulação, que possibilitam a sua divisão e sua reprodução no tempo, repousa em um controle da ação por parte do professor, controle esse baseado na aprendizagem e na aquisição temporal das competências práticas.(TARDIF & RAYMOND, 2000; p. 233-234).
A “rotinização”, portanto, também requer do professor, para o seu enfrentamento, uma diversidade de saberes, aptidões, competências, habilidades e motivações, que vão muito além de uma formação acadêmica. Com criatividade, lucidez, determinação, diálogo democrático e lutas coletivas, é possível enfrentar e superar a “rotinização”.
Referências
CARDOSO, AlianaAnghinoni. DEL PINTO, Mauro Augusto Burket. DORNELES, Caroline Lacerda. Os saberes Profissionais dos Professores na perspectiva de Tardif e Gauthier: Contribuições para o Campo de Pesquisa sobre os Saberes Docentes no Brasil. IX ANPED SUL: Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, 2012. Disponível em: <http://www.ucs.br/etc/conferencias/index.php /anpedsul/9anpedsul/paper/viewFile/668/556/>. Acesso em: 19/02/2016.
O’DWYER, Gisele; MATTOS, Ruben Araujo de. Teoria da Estruturação de Giddens e os estudos de práticas avaliativas. Physis, Rio de Janeiro, v. 20, n. 2, p. 614, 2010.Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/physis/v20n2/a15v20n2.pdf>.Acesso em: 19/02/2016.
MALAGODI, Marco Antônio Sampaio. Sobre dialética, práxis e pedagogia. V Encontro Nacional de Anppas, Florianópolis, 04 a 07 de outubro de 2010. Disponível em:<http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/artigos/GT6-674-674-20100903212551.pdf>. Acesso em: 19/02/2016.
NORONHA, Olinda Maria. Práxis e educação. Revista HISTEDBR On-line, n.20, p.86-93, Campinas, 2005. Disponível em: <http://www.histedbr.fe.unicamp.br/revista /edicoes/20/art09_20.pdf>. Acesso em: 19/02/2016.
TARDIF, Maurice & RAYMOND, Danielle. Saberes, tempo e aprendizagem do trabalho no magistério. Educação & Sociedade, ano XXI, n.º 209, dezembro/2000. Disponível em:<http://www.scielo.br/pdf/es/v21n73/4214.pdf>. Acesso em: 19/02/2016.